Presidente do IBGE revela minúcias da estrutura do órgão projetando reforço estratégico para garantir base de dados decisivos.
Leia abaixo o conteúdo completo da entrevista publicada na edição 216, da RNE. Ou se preferir acesse pelo APP da RNE, clicando aqui.
Por Walter Santos
Em tempos de profunda transição sócio – econômica no país e no mundo, o universo da estatística promovendo o acompanhamento dos diversos segmentos se consolida como fator determinante a ser conduzido pelo IBGE, faz tempo presidido pelo cientista Marcio Pochmann, que nesta entrevista exclusiva à Revista NORDESTE faz revelações importantes. Leia a seguir:
Revista NORDESTE – Presidente, a ação estratégica extraordinária do IBGE se mantém no alvo da desinformação e da contestação de personagens como o ex-presidente Bolsonaro contestando números da redução real dos índices de pobreza em patamar histórico. Como conviver com essa realidade diante de tentativas de destruir os principais básicos dos dados nacionais?
MARCIO POCHMANN – A construção e o desenvolvimento do sistema estatístico oficial no Brasil não resultaram de uma trajetória simples e linear, pelo contrário, complexa e tortuosa. A começar pela sua origem oficial, em 1871, que decorreu da histórica luta interna entre os partidos Conservador e Liberal que durou 25 anos desde o lançamento do primeiro regulamento censitário do país no ano de 1846.
Um dos principais entraves ao sistema estatístico oficial resultou da visão elitista desinteressada nos estudos e pesquisas sobre o país, sobretudo quando os dados de realidade não corroboram com a sua visão geralmente autoritária de mundo. No período recente, por exemplo, a manifestação do ex-presidente Bolsonaro contra o IBGE parece ser exemplar, pois usou e abusou dos dados do IBGE durante o seu governo, especialmente quando as informações oficiais reveladas apontavam o que lhe era de interesse.
NORDESTE – Como encarar a nova fase do ex-presidente insistindo em contestar os dados estatísticos recentemente expostos?
MARCIO POCHMANN – Agora na oposição, o ex-presidente agride ao IBGE, justamente quando apresenta resultados de pesquisas realizadas com a mesma metodologia adotada há muito tempo e de padrão internacional. O IBGE segue aberto, transparente e democrático, para superar qualquer dúvida que possa haver em relação as suas pesquisas e metodologias adotadas, pois conta com excelência técnica e um corpo de servidores competentes e de referência internacional.
NORDESTE – Antes de outras avaliações, como o IBGE estabelece e constrói modelos de captação de dados nos vários níveis no País?
MARCIO POCHMANN – Desde 2023, o IBGE passou a constituir o seu Plano Integrado de Trabalho Anual com base no orçamento aprovado pelos poderes Executivo e Legislativo Federal. Ao mesmo tempo também apresenta o cronograma anual da divulgação de todas as suas pesquisas, bem como oferece antecipadamente a agenda semanal das atividades a serem realizadas.
No IBGE há duas dimensões de pesquisas, aquelas de natureza conjuntural como o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA, inflação oficial), a ocupação, renda, desemprego (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua – PNADC,), o resultado do PIB (Sistema de Contas Nacionais), e as pesquisas de natureza estrutural como os Censos Demográfico e Agropecuário, Florestal e Aquícola.
Para a coleta das informações contínuas das pesquisas conjunturais, o IBGE conta com quase 7 mil servidores, enquanto nas pesquisas estruturais há geralmente a incorporação temporária ampliada de recenseadores (O censo demográfico de 2022 contou, por exemplo, com cerca de 180 mil recenseadores). Toda a captação dos dados de realidade segue padrão internacional de conceitos e metodologia consagrados a partir da Comissão de Estatística das Nações Unidas.
Estrutura atual e a anterior ao atual governo
NORDESTE – Para conhecimento geral, qual o tamanho da estrutura do IBGE no País para captar números em todos os Estados?
MARCIO POCHMANN – O IBGE conta com cerca de 11 mil servidores entre permanentes e temporários que atuam em todo o Brasil através de 27 Superintendências localizadas na capital dos Estados e no Distrito Federal e, ainda, 566 Agências de coleta de dados nos principais municípios do Brasil.
NORDESTE – O que a atual fase do Instituto tem de diferencial em comparação à fase anterior do governo Bolsonaro? Quais os dados diferentes entre as fases anterior e atual?
MARCIO POCHMANN – Não há diferenças conceituais e metodológicas nas pesquisas realizadas pelo IBGE que segue o consagrado padrão internacional das estatísticas. O que temos procurado cumprir são as diretrizes definidas desde novembro de 2023, quando ocorreu o primeiro encontro nacional dos servidores que aprovaram o Projeto IBGE 90 anos (2023-2026).
O seu objetivo central foi o de planejar a recuperação e modernização da instituição diante do curso da transformação digital. Para tanto, o processo de racionalização interna e ampliação dos recursos orçamentários que descortinaram outro horizonte até então desconhecidos para que começasse a retirar do papel as pequisas que estavam – até então – paralisadas como a Pesquisa de Inovação (PINTEC), a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), entre outras, bem como o estabelecimento do plano plurianual que definirá as próximas pesquisas e formas inovadoras de coleta de dados para o avanço da qualidade e a rapidez necessária ao melhor e maior conhecimento da realidade brasileira.
NORDESTE – Como os senhores encontraram a fase anterior do IBGE?
MARCIO POCHMANN – Infelizmente uma situação herdada que foi encontrada com profundamente gravidade, desconcertante e caótica do ponto de vista da gestão pública da maior instituição pública de pesquisa do Brasil. Entre 2016 e 2023, por exemplo, passaram seis presidentes pela instituição, com mandato médio inferior a 1,2 meses, o menor tempo médio já aferido por mandatos dos presidentes nos últimos 87 anos de existência do IBGE.
Concomitante, uma instituição que não renovou o seu quadro funcional, com perda de servidores e ausência de concursos públicos desde 2015. A desmotivação interna era evidente, com o rebaixamento real dos salários dos funcionários, sem o reajustamento das remunerações e a queda constante do orçamento para a realização da missão institucional.
A batalha para a realização do Censo Demográfico em 2022 ilustra bem o caso inédito ocorrido desde 1871, quando foi instituído o sistema estatístico brasileiro, uma vez que pela primeira vez um censo somente foi realizado no país por decisão do Supremo Tribunal Federal.
Além disso, o processo avançado de privatização do IBGE, com o ineditismo de mais de 500 consultores externos operando na instituição, banco de dados sob contratos de corporações transnacionais, sem manutenção física dos 65 prédios, alguns abandonados, várias agências operando em locais inadequados, com o caso de uma delas que funcionavam até em cementério, e o crescente gasto com o pagamento de aluguéis em locais privados.
Uma realidade dramática que exigiu a pronta ação corretiva, cuja participação dos servidores e atuação democrática e transparente permitiu iniciar o plano de recuperação e modernização do IBGE, comparável – guarda a devida proporção – somente à transformação na década de 1930 com a passagem daantiga Diretoria-Geral de Estatística (1871-1930) para o IBGE, em 1936.
Enfrentando as dificuldades
NORDESTE – Na sua opinião, por que sua gestão enfrentou e enfrenta movimentos setorizados buscando afetar sua atuação ascendente e de resultados diferenciados ?
MARCIO POCHMANN – Não há transformação institucional sem resistência, sobretudo quando se precisa enfrentar a realidade contida por pontos localizados de injustiça remuneratória, descabidas zonas de conforto e obsolescência. Diante dos problemas que se acumularam no tempo, a necessidade da inversão de prioridades, como a volta ao trabalho presencial de forma parcial, após quase cinco anos de somente atividades remotas que gerou grave enfraquecimento na institucional e cultura organizacional, aconcentração de servidores com locais de trabalho em prédios públicos para reduzir o exorbitante gasto com aluguéis, a iniciativa de inovação institucional para viabilizar o recebimento de serviços que o IBGE já realiza para bancos e empresas públicas, a conversão para uma Instituição de Ciência e Tecnologia com o intuito de implantar o conceito e prática da inovação permanente no IBGE, a reorganização da relação público-privada e a ampliação da conexão com as políticas públicas por meio de uma diversidade de acordos de cooperação técnica nacional e internacional.
Mudança estratégica
NORDESTE – Qual o papel estratégico do IBGE para apontar os dados fundamentais que simbolizam condições de construir políticas sócio econômicas do País?
MARCIO POCHMANN – O Brasil se encontra diante de uma profunda mudança de época. Transita da sociedade industrial para a de serviços dominada cada vez mais pela transformação digital sem que disponha da soberania de dados que se converteu no modelo de negócio com enorme dinamismo na economia e significativas consequências sociais, culturais e políticas para as nações.
Assim como na década de 1930, quando o Brasil passou do agrarismo para a sociedade urbana e industrial, o IBGE e o DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público) constituíram a base pela qual o processo de modernização do Estado brasileiro transcorreu.
Na terceira década do século 21, entendo que o movimento em curso de recuperação e modernização do IBGE detém atribuição equivalente aos desafios impostos pelo ingresso na Era Digital, uma vez que a luta pela soberania de dados é cada vez mais estratégica. País que não domina os seus dados fundamentais está condenado ao colonialismo digital, produtor do novo subdesenvolvimento e da dependência externa profunda.
A recuperação e modernização do IBGE é essencial para que o salto tecnológico promovido pela revolução informacional não seja ainda mais produtora de maiores desigualdades e injustiças. Somente a revelação da nova realidade brasileira permite ao Estado repensar as políticas públicas atuais, bem como experimentar um novo patamar de ação conectada com os interesses da maioria da sociedade.
Metas para 2025
NORDESTE – O que o IBGE projeta como estrutura para 2025?
MARCIO POCHMANN –Neste ano, o IBGE seguirá com o seu processo de recuperação e modernização institucional. De um lado, a melhora nas condições e relações de trabalho diante da continuidade da reposição do poder aquisitivo das remunerações dos servidores, sobretudo dos segmentos de menores rendimentos, a incorporação de 1 mil novos servidores – que pode equivaler a 1/3 do total de servidores permanentes – e ampliação da manutenção física dos prédios e da gráfica própria do IBGE para a continuidade da racionalização dos recursos, com a redução dos gastos com aluguéis.
De outro lado, a elevação da qualidade no conjunto da cadeia de valor da produção e disseminação do IBGE, com a difusão da Casa Brasil IBGE e o avanço na construção do Sistema Nacional de Geociências, Estatísticas e Dados (Singed) a permitir a viabilização do centro de inteligência e governança do ecossistema de dados para políticas públicas.
Agora em janeiro, o IBGE apresentará para a sociedade o Plano Integrado de Trabalho Anual, em maio será realizado o terceiro encontro nacional dos servidores para definir o Plano Plurianual de Estudos e Pesquisas (2025-2030), em julho acontecerá a Conferência Nacional dos Agentes Produtores e Usuários de Dados para definir o Plano de Informações Geocientíficas, Estatística e Dados do Brasil. Além disso, a ampla participação nas atividades internacionais como a COP e em relação aos trabalhos cooperativos com os países do Brics, Mercosul e de Língua Portuguesa.