EXCLUSIVO : A difícil conjuntura do PT a exigir mudanças para superações

Nome lembrado para presidir o partido, prefeito de Araraquara Edinho Silva avalia com realismo a forte realidade partidária, faz dura avaliação interna e aposta em mudanças

 

Entrevista especial da edição 215 da Revista NORDESTE, dezembro de 2024, com o prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT), sobre o futuro do PT. Leia abaixo ou se preferir clique aqui e acesse pelo APP da NORDESTE

 

Por Walter Santos

 

Se é certo afirmar que o mundo enfrenta forte onda conservadora política nos vários continentes, o mesmo dir-se-á de perda de espaços pelos partidos progressistas, ultimamente preocupados em construir reação estratégica para retomar espaços na sociedade. Esta é a síntese do nível de preocupação de lideranças políticas, a exemplo do prefeito de Araraquara, Edinho Silva, nome lembrado para presidir a nova fase do PT no Brasil diante de reflexões a exigir proposituras exequíveis para o futuro partidário, eis a entrevista exclusiva a seguir :

 

Revista NORDESTE – Edinho, o mundo anda impactado com tantos fatos extraordinários e tragédias com a comprovação em vários continentes, em vários níveis de crescimento da direita avançando, sobretudo no Ocidente. Como o senhor analisa essa performance conservadora com a queda dos setores progressistas? O que está na essência, em resumo, dessa realidade até em descompasso humano, em tese?

 

EDINHO SILVA – Na minha avaliação, nós só vamos entender essa guinada à direita que acontece em vários países do mundo – que é uma tendência global -, se nós voltarmos à crise econômica de 2008. Na minha avaliação, nós não saímos do impacto da crise econômica de 2008, nós não superamos os seus efeitos.

 

NORDESTE – Como assim?

EDINHO SILVA – O mundo de 2008 para cá está mais pobre, a população está mais empobrecida, principalmente os setores médios que perderam muito o seu poder de compra, têm perdido a perspectiva de melhora, já que a crise econômica é uma crise longa. Se nós formos fazer um paralelo, é semelhante à crise econômica de 1929, que o mundo só foi superá-la depois da Segunda Guerra Mundial. E esse empobrecimento gera uma falta de perspectiva e gera um sentimento antissistema.

 

A origem da crise

 

NORDESTE – O que está na essência desse processo histórico?

EDINHO SILVA – Na minha avaliação, esse antissistema tem origem nos setores médios, que têm votado sucessivamente, têm participado do processo democrático, principalmente nos países europeus, na América do Sul, na América do Norte, mesmo na América Central. E essa participação do processo democrático, processo eleitoral, não tem significado uma melhora nas condições de vida.

Esse sentimento antissistema é crescente e ele gera várias manifestações, principalmente nos Estados Unidos com o Occupy Wall Street, depois, no Brasil, com as mobilizações de junho de 2013 e, na Europa, “Os Indignados”.

 

NORDESTE – Como é isso no caso do Brasil?

EDINHO SILVA – Esse sentimento antissistema no Brasil, se a gente for fazer uma recuperação histórica, ele vira um movimento de massa a partir de junho de 2013, que todos nós achávamos que era uma mobilização inspirada em manifestações de esquerda, com a melhoria dos serviços públicos, melhoria do transporte, mas, ao longo das manifestações de junho de 2013, nós vimos que a esquerda foi perdendo espaço, tanto é que as mobilizações tidas como “sem lideranças”, sem liderança partidária, sem liderança sindical, sem liderança dos movimentos sociais, proibia a manifestação de bandeiras, de camisas, de camisetas que identificassem alguma opção ideológica.

 

Inversão de valores

 

NORDESTE – Havia inversão de valores, ou seja, achava-se de um jeito e era de outra contra o segmento progressista?

EDINHO SILVA – Concretamente, já ali havia indícios concretos de que nós estávamos vivendo um processo que, depois, criou uma “cara” de direita a partir das eleições de 2014, quando esse movimento foi um movimento de massa que deu sustentação ao golpe contra a presidenta Dilma em 2016.

Esses movimentos geram o MBL, o “Vem pra Rua”, movimentos tipicamente de direita. E esse sentimento antissistema, portanto, que tem uma identidade com a direita, acaba parindo, em 2018, o Bolsonaro e o bolsonarismo. Então, isso que nós estamos vendo no Brasil, também é facilmente identificado no mundo.

Quando a Europa começa a fazer uma opção pela direita… os Estados Unidos, desde 2016, também movido por esse sentimento antissistema, faz uma escolha pela direita, depois nós tivemos uma vitória dos Democratas em 2020, e agora a volta do Trump com uma votação expressiva e massiva, porque os Republicanos ganham não só no Colégio Eleitoral, mas ganham também no voto popular.

 

O empobrecimento da população

 

NORDESTE – Onde o fator sócio econômico de depauperaçao do padrão de vida começou a sustentar essa onda à direita?

EDINHO SILVA – Eu penso que o empobrecimento que tem origem em 2008, ele gera a derrota do conceito da globalização. Nós tínhamos, no começo do século XXI, uma concepção que o que daria a dinâmica da economia, o que daria a dinâmica do PIB, seriam as grandes corporações, seria aquilo que a Shell movesse na economia, aquilo que a Microsoft, que a Apple, que as grandes corporações fossem capazes de mover na economia e, claramente, uma diluição da concepção de Estado Nacional.

Ou seja, o mundo seria globalizado, hegemonizado economicamente pelas grandes corporações. Nós vimos que a partir da crise econômica de 2008, o conceito de globalização da economia foi derrotado e nós tivemos uma retomada da concepção de Estado Nacional. Ou seja, a economia, a organização econômica não se daria mais nessa dinâmica da globalização, e sim na dinâmica dos Estados Nacionais.

 

Retomada de uma direita xenofóbica e racista

 

Só que essa retomada do nacionalismo, ela é uma retomada de direita, xenofóbica e racista. E isso que nós vimos crescer, pelo menos na última década, no mundo todo. Então é um Estado Nacional de direita, racista, e que traz junto com ele uma agenda de direita: traz a homofobia, traz o machismo, traz a não ascensão social.

Então, na minha avaliação, essa crise econômica de 2008, faz com que o mundo vá para a direita. Ou seja, usando o jargão popular, “se falta farinha, primeiro o meu pirão”. Então, a Inglaterra para os ingleses, a Inglaterra fora da comunidade europeia, a vitória do neofascismo na Itália, é a Itália para os italianos, é a Espanha para os espanhóis, é uma guinada à direita na França que por muito pouco o neofascismo não se torna majoritário.

 

O avanço da direita no mundo

“A nossa prioridade nesse momento histórico que estamos vivendo no Brasil é isolarmos e derrotarmos o fascismo”

 

NORDESTE – Como ficam os personagens a representar esse retrocesso?

EDINHO SILVA – Basta ver há o Trump nos Estados Unidos, que em 2016 ganha com uma única bandeira de diálogo com a sociedade, a construção de um muro na fronteira do México. Ou seja, um sentimento anti-imigrante. A direita volta a ganhar em Portugal com o discurso anti-imigrante, anti-brasileiro. Eu penso que o mundo vive uma guinada à direita.

O Brasil também vive uma guinada à direita. E, na minha avaliação, a nossa prioridade nesse momento histórico que estamos vivendo no Brasil é isolarmos e derrotarmos o fascismo. E eu penso que essa é a grande missão também dos partidos de esquerda, de centro-esquerda, dos partidos do campo democrático no mundo.

 

Um olhar para 2026

 

NORDESTE – Vivemos a dicotomia de dois fatos relevantes na contemporaneidade, a vitória conservadora de Trump e o avanço dos setores conservadores na cena nacional diante do desempenho fraco dos segmentos progressivos. O que o senhor interpreta como causas e efeitos olhando para 2026?

EDINHO SILVA: Olha, eu penso que boa parte da minha resposta já foi dada quando eu respondo a primeira pergunta lá atrás. Agora, penso que o grande desafio desse momento que nós estamos vivendo é, de fato, derrotar o fascismo que se expressa no bolsonarismo, ou numa parte importante do bolsonarismo. Penso que para que a gente tenha capacidade de derrotar o fascismo em 2026, nós temos que construir um amplo campo democrático.

Seria o equívoco achar que o PT, sozinho, vai conseguir construir essa derrota. Não conseguiremos. Nós temos que construir um campo democrático e olhar a situação Estado por Estado em 2026. Olharmos, principalmente, o cenário em disputa no Senado. Tem que ser uma preocupação para que o fascismo não tenha maioria no Senado Federal, o que geraria um ambiente de muita instabilidade. Não só para o governo Lula reeleito, mas principalmente para as instituições da República.

 

O processo de reconstrução

 

NORDESTE – Mas o futuro já bate à porta com força …

EDINHO SILVA – Então, nós temos que em 2026 – que começa a ser construído em 2025 – ter essa clareza. Não tem nada mais importante do que a derrota do fascismo no Brasil. E essa derrota só vai acontecer se nós tivermos o diagnóstico correto de cada Estado brasileiro e construirmos uma ampla política de alianças, inclusive considerando a realidade dos Estados.

Uma política de alianças que consiga aglutinar todo o campo democrático, semelhante ao que nós fizemos em 2022, na vitória do presidente Lula.

 

Efeitos globais e o Brasil

 

NORDESTE –  No caso americano, as teses indicam que o Partido Democrata perdeu por ter se distanciado das lutas dos trabalhadores. Trazendo para o Brasil esta cena, o que difere politicamente os efeitos da relação do governo petista com a classe trabalhadora e o PT?

EDINHO SILVA: Olha, os Democratas perdem a eleição nos Estados Unidos muito por esse sentimento, que eu acho que é um sentimento que permeia todos os setores médios do mundo hoje. Porque quem mais sofre com a crise econômica de 2008, que é uma crise, como eu disse, prolongada, são os setores médios, que não têm aumento da renda, e esse não aumento da renda gera um sentimento de falta de perspectiva.

Mesmo onde a economia cresce, onde o PIB cresce, esse crescimento do PIB não chega efetivamente na vida dos setores médios. Nós temos que considerar que a globalização da economia financeirizada gera a concentração da renda. Então, é um cenário de muitas dificuldades que nós estamos enfrentando, e esse cenário de dificuldades gera esse sentimento antissistema.

A classe trabalhadora americana também votou contra o sistema. E é importante dizer que lá os Democratas representam o sistema, porque eles defendem o Estado, eles defendem a democracia representativa, eles defendem as instituições como nós aqui, a esquerda, centro-esquerda, o campo democrático, também defendemos o Estado brasileiro porque sem o Estado não haverá instrumento de construção da igualdade social. Nós defendemos o Estado, nós defendemos o judiciário, porque sem o judiciário também o Brasil viveria a terra de quem pode mais, chora menos.

 

Desafios

 

NORDESTE – Dura realidade à vista?

EDINHO SILVA – Então, são cenários difíceis que nós estamos enfrentando hoje. E também tem a mudança que acontece no planeta todo de que a partir do século XXI as novas tecnologias vieram com muita força, as redes sociais se tornaram não só instrumentos de produção de conteúdo, mas também de produção de riqueza, novas profissões surgiram, novas profissões surgiram com a robótica, com a inteligência artificial. Então, tem uma mudança acontecendo na classe trabalhadora.

O surgimento de novas profissões, a aniquilação de outras profissões, o empobrecimento daquela classe operária que se criou com a industrialização. Existe um empobrecimento dessa classe operária, existe uma diminuição dessa classe operária.

Então, tem uma profunda transformação acontecendo na classe trabalhadora e nós temos que entender essa transformação, entender a dinâmica dessas novas profissões, as expectativas dessas novas profissões, porque se nós não estivermos abertos para aquilo que eles desejam, para os anseios desses trabalhadores, dessa nova realidade, efetivamente, nós estaremos nos distanciando de algo real que está acontecendo na sociedade brasileira hoje e que na minha avaliação é um fenômeno internacional.

 

A financeirização da economia globalizada

 

NORDESTE – O mercado financeiro e as forças conservadoras no Brasil insistem em querer interferir nas políticas do governo para atender os seus interesses, vide o banco central e a alta do dólar quando o país reage positivamente, mas os neoliberais agora exigem cortes até nas áreas sociais. Como sair dessa encruzilhada?

EDINHO SILVA: Olha, se de um lado o conceito de globalização foi derrotado e nós tivemos a retomada da concepção de Estado Nacional, na minha avaliação, a financeirização da economia está cada vez mais globalizada. Então nós temos que entender que estamos vivendo um momento de desenvolvimento do capitalismo onde a dinâmica da financeirização está dada.

Eu penso que a governança mundial tem que estar atenta a essa mudança para que a gente crie regramentos, para que a gente crie normas para essa movimentação que acontece na financeirização da economia e que,muitas vezes, gera situações de muita especulação e de especulação que só aprofunda a concentração da renda.

Então, é um novo momento, que não é tão novo, mas com essa intensidade é um novo momento de desenvolvimento do capitalismo, do capitalismo financeiro e essa é uma realidade. Nós não temos instrumentos de regulação dessa dinâmica da especulação do capitalismo financeiro. Infelizmente,não há esse regramento, não há uma governança estabelecida para essa nova realidade. Isso tem que preocupar e acho que isso tem que ser debatido inclusive internacionalmente.

 

A regulação do capitalismo

 

NORDESTE – Onde resistem às forças progressistas?

EDINHO SILVA – Agora, claro que o sistema é capitalista, a dinâmica é do sistema capitalista. Nós temos que entender, a ausência desse instrumental de controle é preocupante, mas essa é a realidade que está dada hoje. Eu não saberia dizer hoje qual o volume, por exemplo, dos investimentos na Bolsa de Valores, mas certamente a maior parte desses investimentos são do capital internacional, não é do capital nacional.

Enfim, para demonstrar um pouco a complexidade do cenário. Dito isso, nós temos que, mesmo sozinho, o Brasil não tendo condições de fazer essa regulação, claro que nós temos que enfrentar essa dinâmica e claro evitar ao máximo, dentro dos instrumentos que o Brasil tem, de tentar evitar e frear essa dinâmica da especulação que muitas vezes onera o país e onera a riqueza nacional. Eu penso que a questão fiscal ela é uma questão que preocupa.

Não dá – e o presidente Lula nesse sentido ele sempre foi muito realista -, para a gente não se preocupar com o fiscal, porque o fiscal quando ele se deteriora significa que lá na frente ele vai virar financeiro deteriorado. Ou seja, nós não teremos condições de cumprir com as nossas despesas básicas, inclusive na área social. Então, quando tiver de fazer ajuste, tem que fazer ajuste. Agora, o ajuste não pode significar nós cortarmos programas sociais, precarizarmos os setores sociais que já são precarizados.

 

Como enfrentar os desafios

 

NORDESTE – O mercado dita normas e então como fica?

EDINHO SILVA – Eu penso que o ajuste também tem que ser debatido dentro da realidade da economia nacional. Por exemplo, a questão da desoneração. A desoneração é um instrumento que se utiliza para incentivar a implantação de cadeias produtivas e o fortalecimento de cadeias produtivas. A desoneração não pode ser eterna, você vai desonerar setores produtivos eternamente? Não.

Então, quando se fala em corte, eu acho que tem que falar de corte de uma forma geral. Tem que ter equilíbrio fiscal? Sim, mas o equilíbrio fiscal não pode significar só o corte de despesas nas áreas sociais. Eu acho que tem que se debater a questão da desoneração, tem que inclusive debater a questão da compensação tributária porque alguns setores da economia, na minha avaliação, não deveriam ter esse benefício da compensação. Então, tem que se fazer um debate mais amplo quando se fala de equilíbrio fiscal do que só cortar na área social.

 

O retrato do Brasil

 

NORDESTE – A propósito esse cenário tem a ver com a eleição em 2022 da maioria de deputados e senadores conservadores em alta escala? O governo está agindo em que nível de articulação para negociar os meios de governabilidade?

EDINHO SILVA: Olha, sempre o Congresso vai refletir a sociedade. E, claro, o que a gente tem que entender é que se a sociedade vai para a direita, cada vez mais o Congresso Nacional vai estar à direita. Por isso que a concepção de governo de coalizão é cada vez mais uma realidade brasileira.

Não há como construir governabilidade sem a construção de um governo de coalizão, porque nós não somos majoritários no Congresso Nacional. E digo que, talvez, em 2027 nós tenhamos que compor ainda mais com as forças de centro-direita se a tendência do eleitorado for mantida em 2026.

 

NORDESTE – Como fazer e não ficar a reboque ?

EDINHO SILVA – Temos que agir, por isso que os partidos de esquerda, de centro-esquerda, têm que construir alianças. Nós temos que, principalmente, ter uma preocupação grande com o Senado para que a gente possa fazer a disputa política no sentido de melhorar o desempenho dos partidos nas eleições de 26 para que a gente melhore, por consequência, a composição do Congresso Nacional e melhore as condições da governabilidade.

 

A reconstrução do PT

 

NORDESTE – Há em curso, mesmo ainda sem muita exposição, a altura da conjuntura político-partidária, o início de um debate de forte impacto na esquerda, que é a sucessão do PT. Como o senhor encara a tese setorizada de que o partido precisa ter um presidente do Nordeste?

EDINHO SILVA –  Olha, eu penso que é muito legítimo a gente ter um presidente do Nordeste. Como é legítimo ter um presidente do Sul, como é legítimo ter um presidente do Sudeste, como é legítimo ter um presidente do Norte ou do Centro-Oeste. O PT sempre foi um partido de projeto nacional. Nós nunca fomos um partido federalizado. Essa talvez seja a grande diferença do PT, inclusive aos partidos mais tradicionais da esquerda, e talvez esse seja o grande desafio do PT.

Nós não nos tornarmos um partido federalizado, um partido onde lideranças regionais disputem a hegemonia em cima do seu peso regional. Eu penso que se o PT se tornar um partido federalizado é o princípio do fim do PT enquanto partido de esquerda.

 

Projeto Nacional

 

Então nós temos sempre que defender o PT como um partido que tem um projeto nacional, que tem um projeto para o país todo e um partido que constitui a sua direção em cima desse projeto nacional, valorizando os seus melhores quadros, sejam eles do Nordeste, que nós temos quadros importantes no Nordeste, quadros importantes que nós temos no Sul, quadros importantes que nós temos na região Norte, no Centro-Oeste e no Sudeste.

Então nós temos sempre que pensar a composição do partido com os seus melhores quadros, tendo como princípio a construção de uma direção que represente um projeto nacional. E nós devemos fugir com muita força da tentação da federalização do partido, porque historicamente isso representará o fim de um partido de esquerda com um projeto nacional.

 

O distanciamento com a classe média

 

Edinho: a nossa grande dificuldade hoje é dialogarmos com os setores médios da sociedade

 

NORDESTE –  A propósito, como é estar na condição de prefeito do interior de São Paulo, cercado de lideranças conservadoras, sobrevivendo ao fenômeno antipetista e ser lembrado para uma missão super especial?

EDINHO SILVA – O Estado de São Paulo, que tem uma classe média extensa, como as demais regiões do Brasil que também têm a classe média extensa, são desafios para o PT hoje. Nós vimos as dificuldades que nós tivemos nas capitais do Nordeste porque a classe média tem um peso importante na formação socioeconômica das capitais.

Nós vimos as dificuldades que o PT também teve em todas as regiões onde a classe média é extensa. Porque, na verdade, a nossa grande dificuldade hoje é dialogarmos com os setores médios da sociedade. Em 2022 e 2024, essa dificuldade se agravou quando esse sentimento de antissistema se infiltra nos setores médios dos bairros das periferias.

 

A urgência de dialogar

 

Então, o desafio do PT é conseguir entender, efetivamente, o que está acontecendo com esses setores médios, inclusive das periferias, e, entendendo, conseguimos dialogar e ter proposta para esses setores. Se nós fizermos isso, se nós tivermos essa capacidade e essa compreensão, nós vamos recuperar a nossa votação nas capitais do Nordeste, nós vamos recuperar a nossa votação nas regiões do Centro-Oeste, nas regiões do Norte do país que nós temos perdido o espaço, nós vamos recuperar no Sul e no Sudeste.

Porque a questão não é só regional, a questão é da dificuldade que nós estamos tendo de dialogar com os setores médios. Claro que São Paulo, principalmente o interior, sempre foi desafiador, porque tem uma cultura política mais conservadora. Mas é importante lembrarmos que nós já governamos as principais cidades do interior de São Paulo. Então, é possível, sim, retomarmos essa ofensiva política.

 

NORDESTE – E a sucessão no PT?

EDINHO SILVA – Sobre a sucessão do PT, eu também tenho dito que quem conduz esse processo é a presidenta Gleisi. Ela, que presidiu o PT no momento mais difícil da nossa história, que tem que construir e conduzir esse processo sucessório.

 

A necessidade de resgate e renovação

 

NORDESTE – Há consenso de que o PT envelheceu taticamente, sem renovar as táticas das bases populares, hoje ocupadas por neopentecostais e milicianos. De que forma o senhor imagina ser possível resgatar os valores e estratégias do PT para o novo tempo?

EDINHO SILVA: É claro que o PT tem que se renovar. E eu defendo muito a renovação do PT. E onde eu posso agir, eu tenho agido nesse sentido. Tanto é que o PT de Araraquara passa por uma renovação, já é de algum tempo. Mas não só a renovação etária é importante, mas a renovação das propostas.

Nós interpretarmos as mudanças que estão acontecendo na sociedade etermos novas propostas diante dessas mudanças. Eu penso que a gente tem que voltar a dialogar com a juventude de uma forma mais convincente. Nós temos que ter propostas para essa juventude, principalmente das periferias.

 

A importância da juventude das periferias

 

O PT tem deixado de ser referência para essa juventude das periferias. Nós temos que ter propostas para que a gente reencante essa juventude pela política. O desencantamento pela política é muito grande. Setores importantes da nossa sociedade hoje veem a política como instrumento de ascensão social, de enriquecimento próprio.

Existe um distanciamento imenso entre o Estado e a sociedade civil, entre o representante e o representado. Tem um fosso se criando entre o representante e o representado. Acho que nós temos que fazer reformas no Estado, reformas político-eleitorais, para que a gente possa fazer com que o debate seja um debate mais de propostas do que de indivíduos, seja um debate mais de programas partidários do que de indivíduos.

 

A Juventude precisa se reencantar”

 

Nós temos que enfrentar e fazer com que a juventude se reencante pela política. Não adianta nós falarmos que uma parcela importante das periferias tem sido cooptada pela teologia da prosperidade. É que, muitas vezes, as igrejas dialogam mais com a realidade da população nas periferias do que os partidos. E eu penso que não adianta a gente ficar fazendo diagnóstico o tempo todo que uma parte importante da nossa sociedade tem se tornado neopentecostal, tem optado pelas religiões neopentecostais, e a gente dizer que religião neopentecostal é sinônimo de direita.

Eu penso que a gente tem que disputar essa concepção que, muitas vezes, está no imaginário. E nós podemos mostrar que os partidos progressistas, os partidos de esquerda, os partidos de centro-esquerda, têm propostas que possam significar futuro, perspectiva de futuro. E eu penso que ninguém muda nada do lado de fora.

Se nós queremos dialogar com essa juventude neopentecostal, com essa sociedade neopentecostal, nós temos que estar do lado de dentro. Então, nós temos que trazer para o diálogo partidário lideranças que sejam lideranças neopentecostais e debater essa concepção de mundo. Porque eu não acredito que alguém que seja cristão seja contra o combate à pobreza, o combate à miséria, o combate à exclusão, à construção de igualdade de oportunidade.

 

NORDESTE – Como superar?

EDINHO SILVA – Então, nós temos que ter a capacidade de mostrar que nós representamos uma perspectiva de futuro que é o que o cristianismo defende, que é o que as religiões cristãs defendem, que é a solidariedade humana, o combate à pobreza, à miséria, à exclusão social. São grandes desafios, mas são desafios que nós temos capacidade de enfrentar e avançar.

 

Como encarar o futuro

 

NORDESTE – E a última questão, se lhe fosse dada a missão de resgatar a dimensão política do PT, quais seriam suas ações primeiras de encarar o futuro?

EDINHO SILVA – Eu penso que a construção de propostas para que o PT enfrente os desafios que estão colocados não são propostas de um indivíduo. Seria muita arrogância da minha parte achar que eu tenho respostas para todos esses desafios que nós conversamos aqui. Eu penso que nós temos que ir para dentro do PT, fazer com que o PT primeiro entenda o cenário que nós estamos vivendo, que não é simples. Entender por que do avanço da direita sobre as nossas basesque sempre deram sustentação às nossas políticas, ou seja, por que a nossa base social tradicional tem feito uma escolha pela direita.

Eu acho que o PT tem que primeiro ter humildade para fazer essa reflexão. Saber ouvir. Ou seja, nós temos que saber ouvir e dialogar com esses setores. Segundo, penso que se nós nos abrirmos para esse debate e para a construção de propostas que sejam coletivas, que sejam propostas que hegemonizem a ação partidária, não tenho nenhuma dúvida que nós saberemos como caminhar e para onde caminhar.

Agora, tem medidas que são urgentes. Eu acho que o PT tem que debater a questão de uma regulamentação – e aí é o partido que tem que puxar isso, é o governo Lula que tem que puxar isso, mas isso envolve toda a governança, na minha avaliação, global – sobre de que forma nós vamos lidar com a agressividade especulativa do capital financeiro. Eu acho que essa é uma agenda fundamental.

 

Pautas globais e o Brasil liderando

 

Como o presidente Lula, no G20, pautou a questão da tributação das grandes fortunas, a questão do combate à fome. O PT não vai debater os setores que não são tributados hoje na sociedade? Nós não vamos debater a questão da desoneração? Ou seja, para que a gente possa fazer com que, efetivamente, os recursos governamentais possam ser direcionados para os setores que mais precisam.

Então, esse é um debate que é urgente, a questão da reforma política eleitoral. Nós temos que enfrentar esse debate. E, claro, que proposta nós temos para essa nova classe trabalhadora que está se formando? Outro dia eu participei de um debate onde uma companheira dizia que “as pessoas querem CLT”.

 

Empreender ou ser CLT

 

Eu acho que uma parte importante dessa nova classe trabalhadora quer CLT, ela quer garantias trabalhistas. Mas eu também acho que uma parte não quer. Uma parte se identifica mais como empreendedora. É só nós olharmos a realidade do debate do cooperativismo que nós fazemos aqui em Araraquara, por exemplo.

Uma parcela quer se identificar mais com o empreendedorismo, ela quer ter controle maior sobre o seu tempo de trabalho e o seu tempo livre. Tanto é que isso é verdade, o quanto que tem o peso um debate tão ainda novo, que tem muito o que avançar, a redução da jornada de trabalho. Então, tem uma parcela da sociedade, das novas profissões, que quer ter um controle maior sobre o tempo, sobre a sua capacidade de iniciativa.

 

NORDESTE – Como superar ?

EDINHO SILVA – Então, o partido tem que estar aberto para ouvir. Se nós formos para esse debate com preconceito, com respostas prontas, é evidente que eu acho que a gente vai continuar tendo dificuldades de dialogar com a sociedade realmente existente.

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Redacao RNE

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