Na nova edição da Revista Nordeste, a de número 213, uma entrevista especial com os artistas paraibanos, apelidados de irmãos Cajazeiras
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Três irmãos de sobrenome Lira conquistam a cena nacional a partir da Paraiba no cinema e teledramaturgia sempre defendendo conceitos renovadores
Por Walter Santos
A expressão inicial “Os irmãos Cajazeiras” intui lembrar os personagens de Dias Gomes, em “o Bem Amado” em que três irmãs se destacavam na trama, mas as figuras contemporâneas de agora têm outros valores e representam cada um ao seu estilo a ascensão e consolidação no cinema nacional e teledramaturgia por caminhos diferentes. Vamos explicar.
O talento consolidado em torno de Soia Lira, Nanego Lira e Buda Lira – irmãos a partir do município de Cajazeiras no Sertão da Paraíba – produz histórias distintas e que de certa forma emergem a partir do espetáculo “Vau de Sarapalha” – dirigido pelo renomado Luíz Carlos Vasconcelos conquistando o Brasil pelo talento dos artistas envolvidos.
Mas, cada um tem sua própria história, agora narradas pela lente do registro histórico em face da importância de se atribuir a cada um deles a construção particular em momentos diferentes, mas todos vencedores da cena artística nacional.
Nanego Lira acaba de concluir sua participação em novela de grande audiência na Rede Globo de nome “No Rancho Fundo” interpretando o Padre Zezo, enquanto Soia Lira ecoa ainda a participação distinta em “Pacarrete”, assim como Buda Lira aparece atuando em diversos filmes de sucesso, entre eles “Bacurau”.
Vamos, a seguir, conhecer o caminho próprio de cada um dos três talentos paraibanos reconhecidos nacionalmente:
Revista NORDESTE – Todos os registros contemporâneos mostram que na atualidade a produção artística oriunda do Nordeste vive fase extraordinária avançando e ocupando espaços nacionais. Quem contribui mais, o teatro ou o cinema, ou os dois?
SOIA LIRA – Acredito que foi o teatro em primeiro lugar com a peça “Vau da Sarapalha” que chamou a atenção do Brasil e do mundo (apresentamos na Inglaterra, Alemanha, Portugal, Bélgica, Espanha, Venezuela, Colômbia, Uruguai, etc). Foi “Vau da Sarapalha” que trouxe Walter Salles à Paraíba para assistir o espetáculo no teatro Santa Roza numa apresentação exclusiva para ele e o então assistente Sérgio Machado que o convenceu a vir a João Pessoa.
NORDESTE – Qual a cena de expansão na sua trajetória?
SOIA LIRA – Fui selecionada para o elenco do filme “Central do Brasil” como outros paraibanos como Everaldo Pontes, Ingrid Trigueiro, Nanego Lira, entre outros. A partir daí, virou uma rotina diretores de todo o país virem procurar atrizes e atores na Paraíba.
NORDESTE – Na sua opinião, o que significa a ocupação sistemática de muitos espaços dos artistas nordestinos, por exemplo, nas novelas da Rede Globo em papéis especiais?
SOIA LIRA – Nossos talentos estão ocupando espaços como nunca no cinema, na televisão e no teatro. Marcélia Cartaxo foi pioneira. Ela foi descoberta pela diretora Suzana Amaral numa apresentação do espetáculo teatral “Beiço de Estrada” do Grupo Terra de Cajazeiras do qual Nanego e eu fazíamos parte. Esta peça estava circulando no projeto Mambembão de Teatro pelo Sudeste do país com grande repercussão nos jornais e revistas nacionais como Estado de São Paulo, Folha, Isto é, entre outros, com críticas elogiosas ao grupo e à peça. Depois foi o Grupo Piollin que abriu espaço para os artistas paraibanos.
NORDESTE – Como essa inserção e super exposição tem contribuído para a reverberação no teatro de uma forma geral?
SOIA LIRA – Claro que esta exposição no cinema e, sobretudo, na televisão, faz o publico valorizar o que produzimos no teatro, é um caminho natural. Isso acontece no resto do país também.
NORDESTE – A essa altura do campeonato, sua performance já é identificada pela participação em vários filmes mas, ao que se sabe, sua afirmação começa de fato no teatro com “Vau de Sarapalha”, procede?
SOIA LIRA – Começou na realidade no grupo Terra com “Beiço de Estrada”, mas o sucesso estrondoso de “Vau da Sarapalha” chamou a atenção para todos os atores e atriz do grupo (Everaldo Pontes, Nanego Lira, Escurinho e eu, única atriz).
NORDESTE – Uma participação diferenciada na sua carreira se registra também em “Central do Brasil”, filme premiado. Qual o efeito dessa sua participação na sua carreira profissional?
SOIA LIRA – Sim, “Central do Brasil foi o filme de maior repercussão no qual participei. Foi um grande presente de Walter Salles. A oportunidade de contracenar com Fernanda Montenegro me encheu de orgulho e medo. Fiquei muito insegura, mas Salles me ajudou muito e a própria Fernanda com sua simplicidade, apesar da sua grandeza.
NORDESTE – Outro filme a consolidar talentos e à sua performance foi “Pacarrete”. Como conviver com esse desdobramento?
SOIA LIRA – Allan Debertom, diretor cearense de Russas, já havia me dirigido num curta-metragem chamado “Doce de Coco”. “Pacarrete é seu primeiro longa e levou muito tempo para chegar às telas. Allan trabalhou com muito esmero neste filme. E acertou em cheio ao convidar Marcélia Cartaxo para protagonizar essa história comovente e que discute a condição do artistas nos tempos atuais. Contracenar mais uma vez com ela e Zezita Matos foi maravilhoso. E fomos recompensadas com a ida ao festival mais importante da Ásia, o Festival Internacional de Cinema de Xangai, na China. Além das premiações em Gramado como Melhor Atriz e Melhor Atriz coadjuvante.
NORDESTE – Consta no seu DNA, que você é irmã dos atores Nanego e Buda Lira. Como é conviver com irmãos famosos cada um com história própria e exitosa? É por isso que vocês tornaram famosa a tal Lirolandia a partir de Cajazeiras?
SOIA LIRA – Além dos atores Nanego e Buda, que tem participações em obras cinematográficas e novelas reconhecidas, a Lirolândia, como os amigos carinhosamente chamam a família e a casa do Altiplano, temos Bertrand como diretor de cinema com prêmios em festivais brasileiros e no exterior. O bom disso tudo é que trabalhamos às vezes juntos no teatro e no cinema. Isso é muito prazeroso.
NORDESTE – Qual o futuro do teatro e cinema brasileiro / nordestino?
SOIA LIRA – O teatro continuará existindo e nunca se acabará. É uma forma de arte milenar que o cinema não extinguiu quando surgiu. O cinema continua cada vez mais forte além das salas de cinema, em veículos como a televisão e as plataformas de exibição. Quanto ao cinema brasileiro, as políticas públicas nos governos democráticos democratizaram a produção em todas as regiões do país. Cada vez mais os realizadores estão produzindo. Isso é maravilhoso.
” É ótimo, é maravilhoso, mas é passageiro. E isso eu não perco de vista”, diz Nanego Lira sobre a “fama”
Revista NORDESTE – A nova fase em sua carreira artistica tem extrapolado a dimensão no mercado agora, inclusive, expondo-se em revista de VIPs ao lado de outros artistas famosos. Como é lhe dar com a dimensão da fama?
NANEGO LIRA – Não acredito que a coisa tenha exatamente essa dimensão – “a dimensão da fama”. De fato, o performance das novelas alcançam um público extraordinária e repercute em outros veiculos de comunicação. Ou seja, para mim é claro que é o momento de um trabalho em veículo com grande alcance que é a TV aberta. É ótimo, é maravilhoso, mas é passageiro. E isso eu não perco de vista.
NORDESTE – Esse estágio de exposição qualificada vem a propósito do êxito das novelas na Rede Globo comprovando a força do talento dos artistas nordestinos. Até onde você acha que essa fase se manterá ou independe de tempo?
NANEGO LIRA – Então, era sobre isso que eu estava falando. A minha vida, desde criança, foi a arte de encenar. Só o Vau da Sarapalha ficou 20 anos em cartaz de forma intensa e andou o mundo! Para mim, estar trabalhando é o mais importante.
NORDESTE – Mas a repercussão do sinal do plim-plim afeta?
NANEGO LIRA – O primeiro trabalho que fiz na Globo foi “Uma Mulher Vestida de Sol”, em 1994, depois disso fiz várias coisas entre super-séries e novelas. Ou seja, a coisa é cíclica e continuará sendo. O que não pode faltar, espero, trabalho, seja na TV, no cinema ou nos palcos.
NORDESTE – A propósito, os efeitos desta atual fase tem a ver com a repercussão do caso elenco “ No Rancho Fundo” onde você interpretou Padre Zezo danado de forte. Onde você se identifica com o personagem ou nada tem a ver, só interpretação de personagem?
NANEGO LIRA – Padre Zezo, carrega muito de nossa identidade de nordestino, sertanejo. Tem os elementos da minha infância e juventude em Cajazeiras, onde os padres são personagens centrais de nossa formação. Nesse sentido me identifico muito com o Padre Zezo sim.
NORDESTE – A novela carimbou a extensão de modelo estético com Juzé e Lukete, produzindo embola muito diferenciada. Como vc interpreta esse adereço luxuoso?
NANEGO LIRA – Acho uma grande sacada as “cenas do próximo capítulo” serem apresentadas nesse formato. A ousadia e criatividade foram garantidas pelo talento estrondoso de Juzé e Lukete. Eles encantam o Brasil e à nos do elenco também. São os brincantes, os repentinas, os palhaços… São muitos elementos numa dupla só e rompem com um formato pré estabelecido, agregando talento, sabedoria, alegria. Eu gosto muito!
NORDESTE – Cá pra nós, para quem lhe conhece pouco, quem é Nanego Lira, qual sua formação teatral e de onde você vem?
NANEGO LIRA – Bom, eu venho do alto Sertão da Paraíba, de Cajazeiras conhecida como a cidade que ensinou a Paraiba a ler. Mas ouso dizer que Cajazeiras também presenteou a Paraíba com arte e cultura, com o radialismo, com várias formas de expressão. Eu venho daí desse lugar. Faço teatro desde criança, junto com Soia Lira, Marcelia Cartaxo, Eliezer Rolim, Lincoln Rolim e vários outros companheiros e companheiras. Sou da Lirolândia – a família Lira, junto com Buda, Bertrand, soia Lira, e sou fruto dessa mistura: a cidade, as ruas, a família e amigos.
NORDESTE – É verdade que você bem de Cajazeiras, no Alto Sertão paraibano, onde também pontifica a premiada atriz Marcela Cartaxo, o Padre Rolim e a Lirolandia?
NANEGO LIRA – Sim. Esse foi o meu berço e é o território que carrego comigo.
“Eu trouxe tudo no meu matulão!
Sou um cabra do sertão!
Tenho as unhas cravadas no barro
E olhos borrados do açude grande
Carrego comigo a memória
Do sonho que não sonhei.”
NORDESTE – Como você acompanha e analisa a ascensão muito forte de atores e atrizes nordestinos na Rede Globo presentes em muitas novelas atualmente. Ao que se deve isso?
NANEGO LIRA – Os passos em direção à diferentes regiões do país são lentos, mas frutos, especialmente, de políticas públicas para cultura implementadas desde o primeiro governo Lula. A medida em que a produção cultural desse Brasil profundo vai sendo conhecida é inevitável a chegada nos grandes centros desses talentos carregados de identidade e histórias. O Brasil, territorialmente é gigante. O mercado da cultura, concentrado no sudeste. Com as politicas publicas de fomento a cultura a visibilidade se espraia e a chegada às novelas são uma sequência natural desse processo.
NORDESTE – até onde a produção qualificada de peças teatrais e filmes em curta ou longas nordestinas tem construído palco e visibilidade dos artistas?
NANEGO LIRA – É como eu estava falando. Não existe cultura sem fomento e investimento. A politica cultural do país viveu por longos anos uma ascensão interessante nesse sentido, os recursos começaram a ser partilhados. Essa ação foi interrompida nos governos de Temer e Bolsonaro. Agora, vivem a retomada. A aposta é que seja consolidada a política de fomento e investimento que inclua os/as fazedores/as de cultura do país.
NORDESTE – de que forma essa performance das novelas podem interferir na retomada de público no teatro brasileiro de uma forma geral?
NANEGO LIRA – Na minha percepção, o teatro é bem aceito pelo público brasileiro. Sempre tivemos um bom público, mas é evidente que a visibilidade que a TV proporciona pode trazer um público novo, diversificado aos teatros. Agora, o teatro e as artes em geral precisam chegar ao grande público. O percentual de pessoas que têm acessado o teatro, segundo pesquisas, ainda é pouco. Ficamos na torcida pra que assim seja.
A cena nordestina e o cinema novo
Revista NORDESTE – A cena artística nacional identifica nos últimos tempos a afirmação super positiva da produção teatral e cinematográfica nordestina a revelar artistas do seu nível. Nesse seu caso quem nasceu primeiro: o teatro ou o cinema?
BUDA LIRA – De fato, no cenário cultural se renovam e se ampliam as oportunidades, especialmente na direção do público. No meu caso, o teatro veio primeiro. Na experiência em Cajazeiras, entre 1971/1972 e, um pouco antes, no internato do Franciscanos.
NORDESTE – Há registros identificando seus primeiros passos no Piolim, projeto de provocação artísticas a partir de João Pessoa. O que de verdade isso significa na sua formação?
BUDA LIRA – A antiga Escola Piollin e o Núcleo de Teatro Universitário/Teatro Lima penante foram fundamentais na minha formação artística e na áreas de gestão e produção. O contato com Luiz Carlos Vasconcelos, ator/diretor e idealizador do Piollin se deu um pouco antes da fundação do Piollin, por volta de 1974, quando Roberto Cartaxo, Luiz Carlos e eu fomos alunos do Colégio Estadual Bairro dos Estados. A partir daí, Luiz nos levou para o movimento de teatro em João Pessoa.
NORDESTE – Até onde a vista alcança foi a peça “Vau de Sarapalha” com produção do renomado ator Luíz Carlos Vasconcelos a dar dimensão internacional aos artistas e produtores. Qual sua parte nessa ceia?
BUDA LIRA – Nessa ceia, “comi pelas beiradas”, assistindo de camarote a extraordinária performance deste espetáculo. Não participei como ator. Quando o espetáculo já integrava o circuito nacional e internacional do teatro, ainda pude acompanhá-los, colaborando na administração do espetáculo. O certo é que o Vau lançou luzes sobre a produção de teatro da Paraíba e, ao mesmo tempo, revelou atrizes e atores para o Cinema. Walter Sales, por exemplo, veio a João Pessoa fazer testes para o filme Central do Brasil e registrar em vídeo todo o Vau da Sarapalha. Alguns dos nossos atores e atrizes marcaram presença no Central do Brasil.
NORDESTE – Ultimamente você tem sido registrado em muitas produções e filmes, a exemplo do mais recente com Wagner Moura no Agente Secreto, filme inédito de Kleber Mendonça. Nos conte mais sobre essa bem-sucedida aventura produtiva…
BUDA LIRA – É fruto da retomada da produção de teatro do Piollin em 2006, com a encenação do espetáculo “A Gaivota (alguns rascunhos – Dir. de Haroldo Rego), dentro de um cenário de forte aquecimento da produção de filmes e séries em várias regiões do país. Tive a oportunidade de fazer parte desse e de mais dois trabalhos do Piollin.
NORDESTE – Outro dia estava circulando nas redes sociais cenas do lançamento de Bacurau, em Recife, diante do produtor Kleber Mendonça. O que esse filme representa no contexto nacional e internacional pelo valor do enredo e para sua própria pessoa ?
BUDA LIRA – Olha, acho que foi Silvio Osias, numa abordagem sobre o filme que ressaltou: “Bacurau é um acontecimento estético e político do Brasil”. Mais ou menos isso. Penso que Kleber revigora o que foi feito de mais expressivo no chamado Cinema Novo com um alcance extraordinário de público. Claro que do ponto de vista pessoal, além do prazer de ter feito esse trabalho com uma equipe super especial, ainda tem a exposição do meu trabalho.
NORDESTE – Aliás, referindo – se ao contexto de produção cinematográfica, como você avalia a cena nordestina atual e o significado de personagens como Kleber Mendonca?
BUDA LIRA – Pois é. Kleber se apresenta como ponta de lança numa região marcada com excelentes diretores que atuam na Região, e que fazem fortemente o audiovisual se mantenha firme. Isso, desde muito tempo. Claro que no momento, essa produção ganhou muito fôlego e tem aberto espaços no cenário nacional e internacional. O maior desafio é de se conquistar um grande público, seja com a ampliação da rede de distribuição, seja com ações educativas que possam despertar o interesse de jovens e pessoas de diferentes idades e classes sociais.
NORDESTE – Comenta-se à boca miúda que sua origem é de Cajazeiras, terra de Marcelia Cartaxo, fazendo parte de uma tal Lirolandia. Procede?
BUDA LIRA – Tô rindo aqui com a onda que você tira. Cajazeiras é o berço da minha primeira formação. Entre os 6 e aos 17 anos, vivi intensamente por lá até vir pra João Pessoa (1972) e participar da fundação da Lirolandia no Bairro da Torre, vizinho a padaria de Seu Albertino. Mas, mesmo morando aqui, sempre mantive uma ligação com Cajazeiras. Sim, o meu local de nascimento foi Uiraúna. Por conta das andanças do Major Chiquinho e Dona Maria, três da filharada nasceram em Uiraúna. Mas, sentou praça em Cajazeiras.
NORDESTE – Como você analisa a ascensão muito forte de artistas nordestinos em horários nobre das novelas, a exemplo “ No Rancho Fundo” e outras?
BUDA LIRA – Lembrei de outros artistas como Rafael Carvalho, Sebastião Vasconcelos, José Dumont, o comediante José Santa Cruz. Isso somente, em se falando da Paraíba. Se vasculhamos mais, teremos, ontem e hoje, um número expressivo de nordestinos. Imagine você, se as concessionárias de TVs abertas criassem conteúdos regulares nos estados do Nordeste, a exemplo do “Sertão Vai Vir ao Mar”? Mais atrizes, atores e diretores seriam revelados.