Rodrigo de Abreu Pinto*
O presidente Lula está prestes a discursar na abertura da 79ª Assembleia Geral da ONU, realizada em Nova York, nesta terça-feira (24). O que podemos esperar?
O Brasil não possui um documento que defina a sua estratégia internacional. Compreendê-la requer a análise de iniciativas e sobretudo dos pronunciamentos feitos pelos presidentes.
No caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, a sua política externa era de fácil interpretação, caracterizada pelo alinhamento incondicional aos Estados Unidos.
Ao contrário disso, a posição do atual presidente não é tão objetiva. Em 2023, Lula visitou 24 países e 5 continentes, incluindo discursos em fóruns da ONU, G20, Liga das Nações Árabes, União dos Estados Africanos, Mercosul, CELAC e CARICOM.
Os tantos compromissos internacionais têm, como outro lado da mesma moeda, a ausência de alianças fixas ou preferenciais. O Brasil deixou de lado o americanismo do governo anterior, mas tampouco pôs em prática um projeto internacional “terceiro-mundista” ou do “Sul Global”.
Lula dialoga com Biden, Scholz e Macron, e também com Xi Jinping, Putin e Khamenei. Atua para se aproximar da OCDE, mas faz questão de participar do BRICS.
Postura Universalista
Por não estar associado a nenhuma visão, o presidente é capaz de assumir uma postura universalista, igualitária e disposta a construir consensos. É isto que caracteriza a política externa do governo Lula.
E o principal: o Brasil não poderia assumir tal postura em momento mais oportuno – afinal, ao menos até construirmos uma nova ordem global, será impossível superar desafios igualmente globais como as epidemias, o colapso climático e a disseminação das IAs.
A atual conjuntura é caracterizada pelo fim da supremacia euro-americana exercida ao longo do último século. A ascensão econômica da China, tanto quanto a incapacidade da OTAN em derrotar os exércitos da Rússia na Ucrânia, expressam uma nova ordem multipolar.
É isso que está na raiz de inúmeras revoltas militares na África e no Oriente Médio que questionam a legitimidade das intervenções ocidentais em seus territórios, incluindo as missões da ONU. Segundo dados apresentados pela delegação brasileira na última reunião do G20, ocorreram 183 conflitos internacionais em 2023.
Ao lado disso, crescem os apelos de China, Índia, Rússia e outros países pela reforma das instituições multilaterais de regulação econômica, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial de Comércio (OMC). Não é demais lembrar que apenas 21% dos países-membros da ONU apoiaram as sanções econômicas dos Estados Unidos e União Europeia contra a Rússia.
Isso ocorre porque as organizações criadas após a 2ª Guerra Mundial – ONU, FMI, OMC, entre outras – refletem uma distribuição de poder que já não existe.
O mundo depende da reconstrução das normas, regras e instituições multilaterais para superar a paralisia decisória que impede o enfrentamento dos grandes dilemas globais.
Mais uma vez, esse é o tom que devemos esperar no discurso do presidente Lula. A exemplo do que afirmou na última Assembleia da ONU: “A comunidade internacional precisa escolher: de um lado, está a ampliação dos conflitos, o aprofundamento das desigualdades e a erosão do Estado de Direito; de outro, a renovação das instituições multilaterais dedicadas à promoção da paz”.
A transição para uma nova ordem global não será fácil – aliás, basta lembrar que a ordem americana recém-findada foi imposta por uma guerra mundial, incluindo a destruição atômica de Hiroshima e Nagasaki.
Para que isso ocorra de outro modo, o Brasil tem um papel a cumprir na condição de uma potência pacifista e vocacionada a forjar consensos a nível internacional.
*Rodrigo de Abreu Pinto é Advogado, filósofo e Diretor da Câmara de Comércio Brasil-Portugal