Do Sertão da Paraíba, a ciência busca os mistérios da evolução do universo

Projeto Bingo Abdus, é uma iniciativa colaborativa entre Brasil-China, na área de radioastronomia e cosmologia, e vai instalar, ainda em 2024, na cidade sertaneja de Aguiar, no Vale do Piancó, o maior radiotelescópio da América Latina

 

Leia abaixo ou se preferir acesse a edição da Revista Nordeste, a de número 210, clicando aqui

 

 

Por Luciana Leão

 

 

 

Em meio ao sertão paraibano, o município de Aguiar, com pouco mais de 5 mil habitantes (Censo IBGE 2022),  e distante a 410 km de João Pessoa, vai abrigar, até o fim do ano, o que pode vir a ser o maior radiotelescópio da América Latina: o intitulado Bingo (Baryon Acoustic Oscillations from Integrated Neutral Gas Observations).

 

 

O projeto, anteriormente, de cunho nacional, por meio de uma parceria de cientistas paraibanos e paulistas, tendo à frente o professor Élcio Abdala, da Universidade de São Paulo (USP), membro da Academia Brasileira de Ciência (ABC), tornou-se majestoso, com a colaboração científica associada a trabalhos desenvolvidos por cientistas chineses a partir do maior radiotelescópio do mundo, o Fast, e o TianLai, ambos chineses.

 

 

O Bingo agora é multinacional e tornou-se o Bingo Abdus (sigla para ‘Advanced Bingo Dark Universe Studies’ (“estudos avançados do universo escuro pelo Bingo”, em tradução literal) é um projeto de radioastronomia e cosmologia, uma parceria Brasil-China, com papel fundamental do Governo da Paraíba).

 

 

Por meio de acordos já firmados entre Brasil-China encontra-se em sua segunda fase. A equipe de cientistas brasileira está em visita de trabalho e inspeção do projeto de colaboração, este mês, na China, segundo relatou à NORDESTE, o cientista e pesquisador paraibano, da Universidade Federal de Campina Grande, Amílcar Rabelo de Queiroz, coordenador Executivo do Projeto Bingo Abdus na Paraíba.

 

 

Na China

 

Pesquisadores Amílcar Rabelo de Queiroz (à esquerda) e o coordenador geral, cientista Élcio Abdalla, membro da Academia Brasileira de Ciência, na China, em inspeção da construção dos equipamentos do Bingo Abdus

 

Nesta segunda fase, em curso, segundo explica o pesquisador, é uma etapa mais tecnológica. “Por ser um projeto internacional, com mais de 100 pesquisadores de vários lugares do mundo, mas liderados pelo Brasil e China, estamos na China visitando a fábrica que está construindo a manufatura dos espelhos e da estrutura metálica. Vimos que está quase pronto e, em breve, seguirá para o Brasil”.

 

 

Entre a programação e reuniões da comitiva brasileira, os pesquisadores brasileiros visitaram as universidades de Yangzhou, Universidade de Ciência e Tecnologia da China, que está localizada em Hefei, e é uma das principais universidades de física do país asiático, além do Observatório Astronômico de Xangai.

 

 

O projeto da construção dos refletores na China, de acordo com o coordenador Executivo do projeto, está em fase final.  Já no Brasil, a terraplanagem, a modelagem do local onde será instalado o Bingo Abdus está praticamente pronto, no município de Aguiar. “Devem começar as fundações para a montagem das estruturas nas próximas semanas”, adiantou.

 

 

Para compor o projeto na primeira fase, uma usina solar foi instalada com capacidade de 75 Kwp e já está em funcionamento, por que no local não tem energia elétrica do sistema nacional. “Porém, para a instalação da 2ª fase, será necessário muito mais energia, com acréscimo de mais placas solares, mais inversores”, disse Amilcar Queiroz.

 

 

Montagem da Estrutura e acertos finais

 

 

A montagem da estrutura do radiotelescópio é muito similar às torres de telecomunicações, de celulares e das antenas.

 

 

“Então essa é a fase que a gente se encontra. Do ponto de vista já temos o protótipo final dos receptores, e estamos terminando de fazer os códigos de aquisição de dados, outra parte que requer muito trabalho de todos os pesquisadores, cientistas e estudantes envolvidos”.

 

 

As estruturas em fase final de construção na China são compostas de dois espelhos de 40 metros de diâmetro cada um, numa configuração diferente dos outros radiotelescópios.

 

 

“Em geral, pelo mundo,  os projetos contam com apenas um espelho. O Bingo Abdus são dois refletores em formatos diferenciados e somando os dois espelhos, vai ser o maior radiotelescópio da América Latina”, pontua o pesquisador.

 

 

Do ponto de vista da Ciência, o Bingo Abdus possui outras diferenças comparado aos outros radiotelescópios, porque tem um foco científico principal e contínuo, que vai ser a observação de nuvens de hidrogênio neutro para poder fazer mapas de distribuição da matéria do universo em vários instantes cosmológicos.

 

 

“Chamamos isso de mapa de intensidade do hidrogênio neutro. Isso até hoje não foi feito com ondas de rádio, tem alguns radiotelescópio que estão tentando fazer isso, mas é consenso que o nosso tem a maior chance de ter, tem a chance maior do que a dos outros de conseguir ser o primeiro, quem conseguir fazer vai ser um feito notável. Claro que além disso tem outros aspectos, como por exemplo, a gente vai buscar rajadas rápidas de rádio, explosões rápidas de rádio, que foram recentemente descobertas e o projeto, o radiotelescópio Bingo tem uma chance de fazer essas medidas também, vai ser bastante competitivo nessas medidas também. Então esse é o nosso objetivo e não é à toa que a China, que tem trabalhado bastante com a gente, está se interessando e empolgado com o projeto, e vários outros pesquisadores também do mundo inteiro que estão se juntando a gente”.

 

 

Além da pesquisa científica, Amílcar acrescenta a importância de ser um projeto de interesse nacional e na sequência, em médio prazo, uma cadeia produtiva de talentos humanos, de profissionais qualificados para trabalhar com a ciência, com a telecomunicação, eletrônica.

 

 

Terraplanagem e fundação em curso

 

Terraplanagem do terreno em fase final. Foto: SECTIES/PB

 

 

O principal objetivo do Bingo Abdus é o estudo para a ciência como o universo está se expandindo de forma acelerada. Amílcar explica que as medidas a serem tomadas por meio das ondas do radiotelescópio podem ter várias surpresas.

 

 

“Uma delas é que a gente prova que tecnologicamente é possível fazer essa medida em rádio, o que nos dá a oportunidade de medir num tempo ainda mais no passado no universo. Porque as medidas que a gente tem hoje não conseguiriam ir tão longe no passado. Já com rádio a gente consegue. A outra é que a gente vai trazer informações que talvez nos digam como se dá essa aceleração, que são as grandes perguntas da cosmologia, que estuda a expansão do universo, tem feito nesse século, no século XXI. Então, assim, esse tipo de estudo é um dos grandes problemas na astronomia e na física e na cosmologia do século XXI. Então, o projeto está jogando esse jogo, que é uma das principais perguntas para a ciência do século XXI”.

 

 

De acordo com Amílcar será necessário também a aquisição de um Data Center para armazenar os dados pesquisados e as medições realizadas pelo Bingo. “Estamos de fato correndo para terminar o mais rápido possível, porque é de interesse nosso do ponto de vista científico, mas tem também o interesse político, geopolítico, porque este ano celebra-se os 50 anos das relações Brasil-China. O projeto Bingo é um projeto importante para essa relação, tem um apoio explícito do presidente Lula e do presidente Xi Jinping . É uma demonstração que a ciência está de volta ao Brasil”, complementa.

 

 

Recursos e impactos transversais na economia

 

 

“Projeto grandioso”, diz Cláudio Furtado, secretário da SECTIES / PB. Foto: Arquivo SECTIES/PB
 

 

Para o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovações e Ensino Superior da Paraíba, Cláudio Furtado, o projeto Bingo tornou-se “grandioso”, porque envolve vários países para solucionar questões de ciência básica, no caso de física básica.

 

 

”Será o maior da América Latina. É de uma importância fundamental, ou seja, eu acho que é o primeiro grande projeto multinacional aqui da Paraíba. E um dos poucos que tem no Brasil que satisfazem e que fazem parte desse conceito. Então, só pensando no ponto de vista da ciência, ele já é grandioso. E também do que ele pode dar em outras áreas de ciência, na parte de tecnologia, ou seja, na parte de radares. É importantíssimo o Bingo para uma série de demandas na área de física, na área de engenharia elétrica, ou seja, de microondas. Na área de tecnologia, de comunicação e também na área de inovação, porque você está aí trazendo inovação tecnológica”.

 

 

A escolha de Aguiar, município localizado na Serra do Urubu, foi uma alternativa técnica, segundo o secretário. Foram feitas diversas pesquisas de locais, na Paraíba e fora , chegando-se a cogitar até o Uruguai. O que prevaleceu, explica Furtado, foi que na cidade de Aguiar tem baixa incidência de frequência de rádio dentro do espectro que precisa se ter para fazer tais observações sobre o universo.

 

 

“As pessoas têm que entender que um radiotelescópio é um telescópio que não vê luz visível, como a gente vê nos telescópios usuais, você olha para a luz que não é visível, por exemplo, no caso de microondas, que é o que você está olhando, ondas de rádio. Então você olhando para essa frequência, que é uma frequência, por exemplo, próxima das frequências que a gente tem de comunicações de 5G e 4G, depois da instalação do bingo, você não pode instalar mais nenhum equipamento de emissão de ondas eletromagnéticas nessa faixa de frequência. Então existe essa escolha técnica, ou seja, porque lá tem um silêncio de microondas para que você possa instalar esse equipamento”, complementa.

 

 

O governo da Paraíba, por meio da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovação e Ensino Superior (Secties)/ Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq-PB), aportou a maior parte dos recursos: R$ 16 milhões, dos R$ 40 milhões do projeto, até o momento.Os investimentos restantes são advindos do Governo de São Paulo, por meio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo), do governo federal, por meio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI/FINEP) e da China.

 

 

“O projeto é um divisor de água do ponto de vista de ciência e tecnologia, mas traz impactos econômicos positivos em outras áreas como o turismo, no desenvolvimento regional. Surge um turismo científico,  além de visitas de intercâmbio ao Sertão e de fomento a eventos”, cita Furtado.

 

 

Segundo o secretário, o governo da Paraíba tem um projeto a ser executado que vai montar a Cidade da Astronomia,  em Carrapateiras. Neste local, projeta-se um complexo com auditórios, salas, museu, um planetário, locais para observação, e também no entorno do Bingo Abdus vai ser colocado um mirante.

 

 

“Ou seja, você vai fazer essa visita dentro da cidade da astronomia, fazer um tour pelo museu de arqueologia, ver uma sessão do planetário, vai ter lojas de conveniência, lanchonetes, e de lá você pegará um ônibus que fará um trajeto de 10 km até o radiotelescópio para contemplar esse equipamento através de um mirante, no alto da Serra”, conta.

 

 

Na avaliação de Cláudio, no breve espaço de tempo, a cidade de Aguiar e seu entorno se tornará um destino dentro da rota do turismo científico e cultural. Ele adianta que o governador João Azevêdo tem intenção de ampliar o projeto e associar a rota até onde está o Parque dos Dinossauros, um futuro museu também de arqueologia de Cajazeiras, um museu arqueológico da Paraíba.

 

 

“Com isso você vai desenvolver o turismo, economia local, instalação de hotéis, de restaurantes. Muda-se o cenário da região do sertão para um desenvolvimento científico baseado na ciência de tecnologia e na inovação, com o surgimento de empresas e um intercâmbio de pessoas de diversos países interligados que vão fazer pesquisas no Bingo ou mesmo participando de eventos técnico-científicos”.

 

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Luciana Leão

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