Um experimento inovador liderado pela Embrapa Semiárido, com apoio da Finep, está transformando o maracujá-da-caatinga (Passiflora cincinnata) — fruta silvestre resistente à seca e típica do bioma Caatinga — na base de uma bebida fermentada gaseificada semelhante a um espumante. A iniciativa, desenvolvida em parceria com a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), abre novas possibilidades para a agroindústria regional e para a geração de renda sustentável no Semiárido.
A pesquisadora Aline Biasoto, da Embrapa Meio Ambiente, explica que a escolha da fruta levou em conta não apenas suas qualidades nutricionais e aromáticas, mas também seu ciclo de produção.
“O maracujá-da-caatinga é colhido justamente na entressafra do maracujá comum, o que amplia a janela de oferta de matéria-prima para a indústria. Além disso, é tolerante à seca e a doenças, e sua polpa tem sabor exótico e alto valor nutracêutico”, destaca.

O fermentado foi produzido em escala piloto, utilizando o mesmo método tradicional aplicado na fabricação de vinhos espumantes de qualidade, como o Champagne. O processo inclui uma segunda fermentação, responsável pela formação natural das bolhas.
Segundo Biasoto, também foram testadas variações com e sem autólise, técnica que mantém a bebida em contato com as leveduras por meses. “Isso confere complexidade ao aroma, ao sabor e à textura, o que nos aproxima de perfis sensoriais mais sofisticados”, afirma.
Os testes indicaram que a bebida atende aos parâmetros exigidos pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para fermentados de frutas, e apresentou boa aceitação entre consumidores habituados a vinhos espumantes. A pesquisadora reforça que o produto tem grande potencial de inserção no mercado. “Trata-se de uma bebida diferenciada, que carrega identidade territorial, inovação e apelo sustentável”, avalia.
Alternativa de produção
A produção pode ser feita também com a cultivar BRS Sertão Forte, lançada pela Embrapa Semiárido em 2016. A BRS Sertão Forte é a primeira variedade de maracujá-da-caatinga desenvolvida para a produção comercial, sendo recomendada para os estados da Bahia, Pernambuco, Goiás e Minas Gerais. Em comparação com as plantas nativas, a cultivar se destaca por sua alta produtividade, frutos maiores e melhor rendimento.
“Essa variedade foi desenvolvida justamente para uso comercial, com frutos maiores, maior rendimento e adaptabilidade ao Semiárido”, explica o pesquisador Saulo Aidar. Segundo ele, a BRS Sertão Forte reúne vantagens agronômicas importantes, como tolerância à seca, qualidade genética das sementes e ciclo de cultivo ajustado às condições da região. “Além disso, suas flores se abrem ainda de madrugada, o que favorece a presença de polinizadores e a sustentabilidade dos sistemas produtivos.”
Outro diferencial da cultivar é o seu potencial agroindustrial. “Ela tem um sabor marcante e uma intensidade aromática que a torna muito versátil, seja para uso gastronômico, ornamental ou na produção de bebidas como essa”, diz Aidar.
O projeto, financiado pela Finep (referência 01.22.0614.00 / 0230/19), integra a iniciativa “Uso e conservação da biodiversidade nativa da Caatinga ou adaptada ao bioma com potencial de uso frutífero e ornamental”, que busca valorizar espécies nativas por meio de soluções inovadoras e sustentáveis.
A iniciativa pode gerar impactos econômicos relevantes para comunidades do Semiárido, especialmente aquelas organizadas em cooperativas e sistemas de agricultura familiar. Além disso, incentiva o uso sustentável de recursos da Caatinga, contribuindo para a conservação do bioma.
Os próximos passos incluem o escalonamento da produção e o estudo de viabilidade comercial do novo fermentado. “Estamos diante de uma alternativa de alto valor agregado, com potencial para ocupar nichos de mercado exigentes e fortalecer cadeias produtivas regionais”, conclui Aline Biasoto.