Estudo inédito da Sudene traz um panorama geral da situação das mulheres nordestinas no campo do trabalho, social, violência e economia. Ser mulher no Nordeste significa enfrentar desafios diários, mas também carregar consigo uma história de resistência e superação.
Matéria publicada na edição 218 da revista NORDESTE. Leia abaixo ou acesse pelo APP aqui
Por Luciana Leão
Das lideranças comunitárias às trabalhadoras rurais, das empreendedoras às pesquisadoras, as mulheres nordestinas sustentam famílias, movimentam a economia e lutam por seus direitos.
No entanto, ainda enfrentam desigualdades estruturais em diversas áreas. “As mulheres do Nordeste são fundamentais para o desenvolvimento da região, mas ainda sofrem com barreiras históricas que dificultam sua plena participação econômica e social“, destaca Gabriela Isabel Limoeiro Alves Nascimento, coordenadora do estudo temático inédito elaborado pela Sudene, por ocasião da celebração do Mês da Mulher, em alusão ao Dia Internacional dos Direitos das Mulheres, 8 de março.
O estudo apresenta um panorama abrangente da realidade dessas mulheres, evidenciando avanços e desafios persistentes. A reportagem da Nordeste fez recortes com base na análise do Boletim Temático.
Perfil das Mulheres Nordestinas
De acordo com o Censo Demográfico 2022, o Nordeste abriga cerca de 28,2 milhões de mulheres, representando 51,7% da população regional. A maioria se identifica como negra (71,98%), das quais 59,56% se declaram pardas e 12,42% pretas. Embora tenham, em média, maior nível de escolaridade do que os homens, essa vantagem educacional não se reflete diretamente em oportunidades econômicas.
“Elas estudam mais, mas ainda não alcançam o mesmo reconhecimento e inserção no mercado de trabalho“, afirma a coordenadora do estudo. Segundo Gabriela Isabel, essa desigualdade reflete uma cultura patriarcal enraizada não apenas no Nordeste, mas em todo o país e até em nível global.
“Estamos no século XXI e ainda levaremos cerca de 134 anos para atingir a paridade total de gênero, segundo o Fórum Econômico Mundial, em estudo intitulado “Global Gender Gap 2024”. Isso reforça a importância do debate e da implementação de políticas públicas eficazes”, acrescenta.
Inserção no mercado de trabalho
As mulheres representam 36,7% dos cargos gerenciais na região, mas ainda enfrentam barreiras salariais significativas. Seu rendimento médio mensal é de R$ 1.699,00, cerca de 15% menor que o dos homens.

A distribuição de empregos na região revela que a maioria das vagas formais se concentra nos estados do Ceará, Pernambuco e Bahia. No entanto, a subutilização da força de trabalho feminina atinge 39%, maior índice do país.
Gabriela Isabel destaca que, além da menor inserção no mercado formal, muitas mulheres estão concentradas na informalidade, o que resulta em menor proteção social e instabilidade financeira.
“Elas enfrentam dificuldades para ingressar, para se manter e para crescer no mercado de trabalho. Cada uma dessas etapas é mais difícil para as mulheres do que para os homens“, analisa.
Trabalho de cuidado e dupla jornada

A carga de trabalho doméstico e de cuidados recai desproporcionalmente sobre as mulheres.
No Nordeste, elas dedicam, em média, 23,5 horas semanais a essas atividades, quase o dobro do tempo dos homens (11,8 horas).
Essa sobrecarga limita sua participação no mercado de trabalho e reforça desigualdades econômicas e sociais.
“Essa realidade perpassa todas as dificuldades enfrentadas pelas mulheres. A sobrecarga com os cuidados impacta sua ascensão profissional e sua autonomia financeira“, explica a coordenadora do estudo.
Ao chegar no ensino superior, a formação das mulheres em geral está associada aos cursos de saúde, enquanto os homens são majoritariamente aos cursos de engenharia, de ciências exatas, segundo dados do CNPq nos últimos cinco anos, e, ao longo de dez anos, são resultados semelhantes, pontua a coordenadora.
Mulheres na política
Apesar de representarem 53% do eleitorado nordestino, as mulheres são minoria entre os eleitos. Entre 2018 e 2024, apenas 18% dos cargos políticos foram ocupados por mulheres. A baixa representatividade reflete desafios como violência política de gênero e falta de incentivos para a participação feminina na política.
Gabriela Isabel enfatiza que a criação de cotas de gênero, o financiamento de campanhas e a ampliação de programas de capacitação são medidas essenciais para mudar esse cenário.
“Precisamos incentivar a participação feminina na política e em todas as áreas estratégicas, incluindo engenharias e ciências exatas“, destaca.
Vulnerabilidade social
O Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) no Nordeste aponta uma situação preocupante para as mulheres. Embora estejam ligeiramente melhor que a média regional (0,313 contra 0,319), ainda enfrentam dificuldades no acesso à educação, saúde e trabalho formal.
A maior parte dos lares beneficiados pelo Bolsa Família, por exemplo, tem uma mulher como responsável (81,7%), o que evidencia sua centralidade na gestão financeira das famílias em situação de vulnerabilidade.
“Elas são o alicerce de muitas casas, e políticas públicas voltadas para sua autonomia são essenciais para reduzir desigualdades“, ressalta Gabriela Isabel Limoeiro Alves Nascimento.
Violência de gênero
A violência contra as mulheres segue alarmante na região. Em 2022, o Nordeste registrou 372 casos de feminicídio, com estados como Maranhão e Alagoas apresentando as maiores taxas (2,0 e 1,9 por 100 mil mulheres, respectivamente).
Além disso, 19,1% das mulheres nordestinas relataram ter sofrido violência psicológica, o maior índice do país.Para a coordenadora do estudo, a violência contra a mulher ainda é subnotificada, o que torna os números oficiais ainda mais preocupantes.
“É preciso coragem para denunciar e esperança de que a denúncia não será ignorada. Infelizmente, muitas vítimas não têm essa segurança“, ressalta.Além do enfrentamento à violência doméstica, Gabriela Isabel alerta para os casos de assédio e abuso no ambiente de trabalho, que também impedem a mulher de exercer seus direitos plenamente.
Desenvolvimento e mudança cultural
Para garantir um Nordeste mais justo e igualitário, Gabriela Isabel propõe quatro pilares fundamentais:
Incentivar a participação feminina – Seja na política, na educação ou no mercado de trabalho, a inclusão das mulheres é essencial para reduzir desigualdades.
Fortalecer lideranças locais – Apoiar mulheres em comunidades rurais e periféricas, que conhecem melhor suas realidades e podem influenciar políticas públicas. Combater a violência de gênero – Criar mecanismos de proteção para que as mulheres possam denunciar agressões sem medo de impunidade.
Promover uma mudança cultural – Combater estereótipos e preconceitos de gênero, valorizando o papel das mulheres na sociedade.
“Se quisermos um Nordeste mais justo e igualitário, precisamos garantir que todas as mulheres tenham oportunidades reais de desenvolvimento e participação plena na sociedade“, conclui Gabriela Isabel.
Os dados apresentados pelo estudo da Sudene reforçam a necessidade de políticas públicas que promovam a equidade de gênero, ampliem a proteção social e incentivem a participação das mulheres no mercado de trabalho e na política.
“Não podemos pensar em um Nordeste desenvolvido sem considerar a participação plena das mulheres“, finaliza a coordenadora do estudo. Avançar nessas áreas é essencial para reduzir desigualdades e garantir um desenvolvimento mais justo e sustentável para a região e para o Brasil.