Um cão pitbull, fila ou rottweiler sendo conduzido em algum parque público ou em ambiente similar, sem estar com a focinheira, indica que é quase certo que o tutor use ferraduras. E se não usa, deveria usar. Nenhum outro adorno identificaria melhor qualquer indivíduo que adote esse comportamento como legal.
Cresce Brasil afora o número de pessoas atacadas e feridas, e às vezes mortas, por cães de raça conduzidos de forma irregular por seus tutores, em ambientes com aglomeração pública. Aqueles dessas raças, conhecidas por todos, são os mais citados como perigosos, e exigem que haja sobre eles uma fiscalização rigorosa.
Por detrás dessa providência, para alguns extrema e radical, uma estatística trágica e verdadeira endossa a necessidade desses cuidados.
Pesquisa recente e registros do Ministério da Saúde confirmam que o dano causado por alguns cães de raça, mal cuidados ou mal controlados, é assustador. Somente no ano de 2023, 53 pessoas foram mortas por ataques de cães pitbull, em diferentes pontos do País. No mesmo ano, 1.430 casos de ataques violentos sem mortes foram anotados pelos policiais.
A escritora e poeta Roseana Murray, de 74 anos, em abril de 2024, foi atacada perto de casa em Saquarema, no Estado do Rio, por três cães pitbull e teve o braço amputado e quase perdeu a vida. Um exemplo entre muitos, onde a fúria do animal, associada a irresponsabilidade do tutor, quase leva uma família a uma tragédia. Os donos dos cães foram presos, e em seguida liberados. No mesmo ano de 2024, 6 pessoas foram mortas por ataques de cães. Essa estatística macabra, recomenda que as autoridades levem mais a sério a fiscalização sobre o cuidado com esses animais.
Segundo o “Applied Animal Behaviour Science”, o pitbull está entre as seis raças mais ferozes de cães registrados em todo o mundo. À frente dele estão os das raças Dachshund, Chihuahua, Jack Russel Terrier, Akita e o Pastor Australiano. Muitas delas proibidas ou com restrições em vários países.
No Reino Unido, Austrália, Canadá, Estados Unidos, Alemanha, França, Nova Zelândia e Noruega a criação do pitbull é proibida por lei. No Brasil não há restrição alguma sobre esses animais, o que reforça e indica o risco de perigo a quem cria ou adota a raça. Correto e absolutamente normal o carinho e o cuidado que se deve ter com os animais, todos eles.
O que preocupa é a real e natural medição do espaço que eles ocupam em nossas vidas, e o tamanho das ações e consequências que a relação pode causar.
Assunto delicado e preocupante – exige cautela em abordar essa questão. A torcida pelo cão varia de intensidade, mas quase sempre ela é maior e mais radical. Difícil encontrar um criador, ou condutor de cão de qualquer raça, que concorde em submeter seu animalzinho ao desconforto de uma focinheira. O mundo pet, nos últimos anos, ganhou força, proteção e regalias.
Na lista das benesses caninas você pode incluir, sem medo de errar, planos de saúde, chips no pescoço, perfumes importados, guardanapos nas refeições e cadeiras de rodas adaptadas. O cardápio de muitos deles é bem melhor do que o de alguns restaurantes populares, onde pessoas almoçam por alguns trocados. Cães usando camisetas de clubes, casacos de frio, chapéus importados e outros adornos já não causam espanto a ninguém.
Nos mercados e shoppings, os carrinhos utilizados pelos clientes estão adaptados para que possam receber os pupilos de donos vaidosos. Muitos deles são mais paparicados do que bebês lindos e fofos. Ai de quem criticar ou achar que há nisso uma inversão de valores.
É muito comum você encontrar pessoas amigas e parentes sem nenhuma proteção das vacinas que a comunidade médica recomenda. Impossível ter um animal em casa sem o calendário de vacinas em dia. A vizinhança, às vezes ausente em problemas mais sérios, cuida para que o bicho solto não sirva de fio condutor de alguma doença que contamine a região.
Marido descuidado, que por um motivo ou outro, atropela o Totó no meio da sala corre sério risco de dormir no sofá algumas noites.
Psicólogos e especialistas recomendam a adoção de algum animal a famílias ou pessoas que se acham carentes, ou que de alguma forma, buscam na companhia do animal um conforto emocional positivo. Medida cientificamente comprovada como saudável e eficiente. Justamente por isso, aqueles que adotam e inserem o animal no seu dia a dia, devem entender a grandeza desse ato, e nunca desconsiderar o que essa adoção representa.
Difícil acreditar que haja bom senso e o respeito como norma de conduta, naqueles vitaminados que não se importam com o medo que seus cães de raça causam nas pessoas. A sociedade passa por transformações e condições de vida, fenômeno universal e inevitável. Em gerações passadas, o hábito de criar cães em casa costumava seguir algumas normas, diferentes do que se adota hoje.
A presença do canil nos quintais das residências praticamente não existe mais, muitos jovens sequer sabem o que é isso. No máximo uma prisão provisória por alguns minutos em alguma dependência da casa, enquanto visitantes trocam gentilezas sociais na sala ou na cozinha. Em muitas cidades famílias pagam alto preço a um adestrador competente, para que transforme seu cão rebelde em um exemplo da raça. Em muitos casos vale até o sacrifício da mensalidade escolar do filho.
Personal trainner para cães também estão ganhando bom salário. Difícil imaginar com exatidão até onde isso vai dar, mas com certeza a inteligência artificial já deve estar sendo acionada para que encontre uma solução que agrade aos dois mundos. Em épocas passadas, o pavor dos humanos era evitar levar uma vida de cão.
Nos dias de hoje muitos cães não sentem nenhuma inveja de como alguns humanos levam a vida. Sinal dos tempos.
José Natal
Jornalista