Entrevista publicada na edição 218 da Revista NORDESTE. Leia abaixo ou acesse pelo APP clicando aqui
Por Walter Santos
O Brasil passou a ser referência global depois de implantar de forma “sui generis” programa social de combate à fome e à pobreza por iniciativa do presidente Lula com execução do ministro Wellington Dias, nesta oportunidade ele explica com detalhes como a Aliança Global está atraindo a adesão de muitos países no mundo. Ele falou muito mais com exclusividade à Revista NORDESTE. Acompanhe a seguir:

Revista NORDESTE – O Senhor convive já há algum tempo com a condição de presidente de uma instituição internacional, que encara contemporaneamente o enfrentamento ao grave problema da fome e da pobreza no Mundo. Como o Senhor observa o tamanho do desafio e o que já aplica como métodos de tratar tamanho problema global?
Wellington Dias: A fome é um flagelo que ainda assola cerca de 733 milhões de pessoas no mundo, o equivalente a uma em cada 11 pessoas no mundo e uma em cada cinco na África. Os dados de 2023 foram divulgados no último relatório O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo (SOFI) publicado em 2024 por cinco agências especializadas das Nações Unidas.
É um desafio gigantesco, que mina o desenvolvimento e a estabilidade, e que exige vontade política e junção de esforços para sua superação. Globalmente, estamos ficando para trás nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ODS 1 (erradicação da pobreza) e ODS 2 (fome zero), e é necessário mais financiamento. Sob a presidência brasileira do G20 em 2024, uma iniciativa emblemática – a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza – foi lançada para ir ao encontro dessas metas.
Neste ano, tive a honra de ser eleito co-presidente do Conselho de Campeões, que é parte da estrutura de governança da Aliança. O papel principal do Conselho de Campeões da Aliança Global, entre as reuniões, é impulsionar países, instituições e organizações, inclusive as suas próprias, a manter o apoio, o compromisso e a implementação das metas estabelecidas pela Aliança Global.
Um desafio global exige soluções e esforços conjuntos e a Aliança está aí para isso. Em uma abordagem inovadora, a Aliança reduz os custos de transação e evita duplicação de esforços, aproveitando uma base de dados unificada, simplificando a identificação de necessidades e oportunidades de conhecimentos e financiamentos. A Aliança também se diferencia ao favorecer a agregação de recursos e conhecimentos, possibilitando possibilita um maior impacto e eficiência comparados a esforços individuais e fragmentados. Isso permite a implementação de estratégias abrangentes e multissetoriais.
NORDESTE – Conceitualmente, qual o significado dos resultados efetivos apresentados pelo Brasil como argumentos e motivações para encarar tamanho desafio? O que o Brasil tem de diferencial em relação aos países do Mundo?
Wellington Dias: Desde que o presidente Lula assumiu a presidência do Brasil, em 2022, colocou como uma das prioridades tirar novamente o Brasil do Mapa da Fome e acredito que estamos no caminho certo. Vamos chegar lá até 2026. Veja, em 2023, 24,4 milhões de pessoas saíram da situação de fome no Brasil, segundo dados do IBGE. A edição 2024 do Relatório das Nações Unidas sobre o Estado da Insegurança Alimentar Mundial (SOFI 2024), também mostrou que a insegurança alimentar severa caiu 85% no Brasil em 2023.
Isso é resultado do esforço do Governo Federal em retomar e reestruturar as políticas públicas de redução da fome e da pobreza e mostra que o Brasil retomou o rumo certo no enfrentamento à fome. O amplo conjunto de políticas e programas sociais reunidos no Plano Brasil Sem Fome, a retomada do crescimento da economia, com geração de emprego e renda, e a valorização do salário mínimo são alguns fatores que recolocam o país em lugar de destaque da agenda de combate à fome no mundo.
Tirar o Brasil novamente do Mapa da Fome é uma prioridade do presidente Lula. O Brasil tem programas bem-sucedidos e um histórico que remonta ao Fome Zero, em 2003. O Governo Lula já tinha tirado o Brasil do Mapa da Fome em 2014. Eu citei aqui o Plano Brasil Sem Fome, mas é uma junção de crescimento econômico, vontade política e implementação de programas, como o Programa de Aquisição de Alimentos, PNAE, Bolsa Família e Cadastro Único, só para citar alguns. Muitos são estudados mudo afora e servem de inspiração em diversos países.
NORDESTE – Na sua avaliação, como esse grave problema do Globo, da fome e da pobreza, ainda persiste com a insensibilidade de países, lideranças e organismos até privados sem adesão ao enfrentamento à questão com propostas exequíveis para atenuar o antigo drama?
Wellington Dias: Apesar dos desafios e da pouca ação de alguns, a Aliança Global já nasceu com grande número de adesões, que só cresce. Atualmente, são 92 países, 44 fundações, 25 organizações internacionais e 10 instituições financeiras internacionais. Combater a fome exige vontade política e união de esforços. A Aliança também nasceu com objetivos concretos.
Entre os compromissos estão, por exemplo, atingir mais de 200 milhões de estudantes com alimentação escolar expandida; mais de 150 milhões de crianças e mães com programas de apoio à primeira infância e mais de 100 milhões de pessoas com programas de inclusão socioeconômica. Tem muita boa vontade, tem muito compromisso, tem um volume significativo de recursos já anunciados. A aliança leva em conta uma cesta de experiências que comprovadamente, cientificamente, são eficientes e já deram bons resultados no combate à fome e à pobreza. Por isso, mesmo diante dos grandes desafios, eu espero bons resultados até 2030.
NORDESTE – O Senhor tem a condição como ex-governador do Piauí, estado brasileiro que apresenta recuperação dos índices sociais e econômicos. Como o projeto federal brasileiro, sobretudo a partir do então governo Lula no trato da pobreza e da fome, contribuiu para mudanças reais na performance humana em seu estado? Qual o perfil do Piauí nessa história?
Wellington Dias: Há uma pesquisa do PNUD, o relatório “Desenvolvimento Humano no Piauí 2000-2024”, que mostra a evolução desse estado nos últimos 20 anos. O estudo indica que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), um dos principais indicadores usado mundialmente para medir a qualidade de vida de um país, deu salto no Piauí nesse período, passando de 0,4 para 0,7.
Quanto mais próximo de 1, maior a qualidade de vida em uma sociedade. O progresso pode ser atribuído a uma combinação de fatores que incluem investimentos em educação, programas de combate à pobreza, infraestrutura melhorada, políticas de saúde pública mais eficazes.
Queria lembrar aqui também que foi em Guaribas, no Piauí, que o Programa Fome Zero foi lançado em 2003. O município foi escolhido como piloto para o programa, que visava erradicar a fome e a miséria no Brasil. Após 20 anos, a população de Guaribas ainda colhe os frutos do programa. O município recebeu projetos de infraestrutura, como acesso a água, saneamento básico e pavimentação, além de iniciativas de inclusão social.
NORDESTE – O mundo convive com diversas medidas adotadas pelo Governo Trump retirando-se de apoios estratégicos fundamentais surgidos pós Guerra Fria afetando diversos organismos fundamentais, como OMS e tantos programas fundamentais ao humanismo. O que a Aliança vai ou pretende fazer para atenuar as dores dos agoniados pela insensibilidade governamental americana?
Wellington Dias: Recentes anúncios de cortes nos programas e orçamentos de ajuda oficial ao desenvolvimento, não só nos Estados Unidos, mas também por diversos países da Europa, têm provocado consternação na comunidade internacional. Os desafios seguem cada vez maiores, mas os meios de enfrentá-los estão minguando. Mas ao mesmo tempo, a queda nos orçamentos de ajuda pode finalmente nos obrigar a melhorar a forma de fazer cooperação.
A Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza chega precisamente nesta hora, oferecendo uma alternativa. Temos que trabalhar juntos e apoiar as únicas entidades que serão capazes, com o tempo, de implementar em escala os programas e ações que irão eliminar a fome e a miséria deste mundo. Com a Aliança, será possível dar as condições mínimas, financiamento e conhecimento, para que possam cuidar de suas populações com seus próprios meios. É muito mais barato construir capacidade, construir sistemas nacionais permanentes e eficientes de prevenção e resposta, do que sustentar respostas emergenciais em sucessão.
NORDESTE – Objetivamente, como o Senhor está conduzindo a Aliança dentro de uma esfera multipolar a envolvendo todos os Continentes. O que espera de sua articulação e como as ações multicontinentais efetivam resultados concretos em favor da humanidade?
Wellington Dias: Atuando como um facilitador neutro, a Aliança constrói parcerias e mobiliza recursos financeiros e de conhecimento para implementar esses instrumentos políticos. O Conselho de Campeões, para o qual fui eleito co-presidente, é composto por um grupo diversificado de representantes seniores de membros-chaves da Aliança.
Seu principal papel é motivar países, instituições e organizações, incluindo as suas próprias, a manter uma participação ativa. Assim, os membros do Conselho de Campeões devem ter responsabilidade ou influenciar significativamente a tomada de decisões em suas entidades afiliadas. Teremos diversos eventos pela frente, como a realização da primeira Cúpula Contra a Fome e a Pobreza, à margem da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social, no Catar, em novembro de 2025.
NORDESTE – O mundo projeta para 2025 eventos de grande dimensão a exemplo da COP 30, em Belém do Pará, bem como no Catar. Qual a contribuição efetiva de sua organização a esses dois eventos?
Wellington Dias: Não há como falar em segurança alimentar e combate à pobreza sem abordar a questão das mudanças climáticas. Os mais afetados pelas mudanças climáticas são os mais pobres, do Brasil e do mundo. Nesse aspecto, mais uma vez, a cooperação entre países, o debate, a troca de conhecimento é fundamental. A Aliança Global dialoga e pode contribuir com todos esses grandes eventos.
Os membros do Conselho de Campeões são responsáveis por defender a luta contra a fome e a pobreza, comunicando o trabalho e a abordagem da Aliança Global, inclusive em fóruns e cúpulas internacionais relevantes. Internamente, no Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, temos um grande compromisso de diálogo com os outros órgãos, pois o impacto das mudanças climáticas no acesso aos alimentos é transversal. Precisamos trabalhar sobre a produção, a disponibilidade, o acesso e o consumo.
NORDESTE – O Senhor é de uma região com 9 estados que vivem sob efeitos do clima semiárido. Já há registro de cidades com desertificação. Por que uma entidade como a que o Senhor presidente não pode contribuir com o Bioma da Caatinga?
Wellington Dias: Acredito que a Aliança Global pode sim contribuir com o Bioma da Caatinga, pode contribuir muito para mitigar efeitos das mudanças climáticas e garantir segurança alimentar e combate à pobreza. Um dos membros fundadores da Aliança, inclusive, é, por exemplo, a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA).
NORDESTE – Em sua opinião, qual o futuro do Planeta a partir da realidade e da forma de tratamento da fome e da pobreza diante da insensibilidade e crescimento do fascismo? Qual o papel do Brasil nesse contexto?
Wellington Dias: Como respondi anteriormente, acredito que teremos bons resultados em 2030 para o Brasil e para o mundo. É diante desse contexto e desses desafios, que iniciativas como a Aliança Global se revestem de uma importância maior ainda para enfrentá-los. O Brasil, com seus programas e resultados concretos que já obteve, também tem muito a contribuir.