O Ministério Público da Bahia (MP-BA) abriu uma investigação nesta segunda-feira (24) para apurar uma possível prática de transfobia pelo afoxé Filhos de Gandhy, um dos blocos mais tradicionais do Carnaval de Salvador. A apuração foi motivada por um comunicado do bloco que vetava a participação de homens trans no desfile, restringindo a presença apenas a homens cisgêneros. A decisão gerou polêmica e mobilizou entidades de direitos humanos.
No comunicado, a direção do afoxé justificou a medida com base no artigo 5º de seu estatuto social, que permite o ingresso apenas de pessoas do “sexo masculino cisgênero”. Diante da repercussão negativa, o bloco retirou o termo “cisgênero” do documento, mantendo apenas a referência ao “sexo masculino”, e anunciou a convocação de uma assembleia geral para discutir possíveis alterações no estatuto.
O MP-BA enviou um ofício ao bloco solicitando esclarecimentos e aguarda resposta para decidir as medidas cabíveis. A Defensoria Pública do Estado da Bahia também se manifestou, afirmando que a restrição “claramente incita discriminação e preconceito” e pode configurar crime de racismo. O órgão recomendou a exclusão da cláusula discriminatória.
A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) repudiou a decisão do afoxé. Keila Simpson, secretária da entidade, expressou surpresa com a postura do bloco. “Nós não podemos esperar que um bloco como esse, que acolhe tantas pessoas, especialmente aquelas que vivem em uma situação de racismo estrutural, tenha uma atitude tão radical como essa”, afirmou.
Em nota, o Filhos de Gandhy destacou sua tradição de 76 anos, afirmando que sempre valorizou a paz, o respeito e a tradição. O bloco ressaltou que é formado exclusivamente por homens, mas reconheceu a necessidade de debater inclusão. “A sociedade está em constante transformação, e debates sobre inclusão são fundamentais”, disse a organização, mantendo-se aberta ao diálogo.
História e tradição do Filhos de Gandhy
Fundado em 18 de fevereiro de 1949 por estivadores do Porto de Salvador, o Filhos de Gandhy é inspirado nos ideais de paz e não violência de Mahatma Gandhi. O bloco surgiu em um contexto de pós-Segunda Guerra Mundial, unindo música, religião e defesa da paz. Sua primeira apresentação ocorreu no Carnaval de 1950, com integrantes vestindo turbantes brancos e túnicas azuis, simbolizando pureza e espiritualidade.
O afoxé é reconhecido por sua forte conexão com o candomblé, especialmente com o orixá Oxalá, senhor da paz e da sabedoria. Antes dos desfiles, os membros passam por rituais de purificação nos terreiros, reforçando a ligação entre cultura e espiritualidade.
Ao longo dos anos, o Filhos de Gandhy se tornou um símbolo da cultura afro-brasileira e da resistência negra, influenciando artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Margareth Menezes. O bloco mantém suas tradições, como o uso de turbantes, perfumes típicos e cantos em iorubá, além de realizar trabalhos sociais e educativos voltados para a comunidade negra.