Os novos desafios do Consórcio Nordeste em meio à conjuntura nacional e global

Por Hylda Cavalcanti

Especial para a RNE

Novo presidente do Consórcio Nordeste pretende atuar como interlocutor das pautas da região nos três Poderes e investir em infraestrutura para fazer a região crescer a partir de projetos voltados para a transição energética

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O novo presidente do Consórcio Nordeste empossado no início do mês, o governador do Piauí Rafael Fonteles, além de ser integrante do grupo, já é bastante familiarizado com os temas a serem tratados. Ele já foi secretário estadual da Fazenda e nos últimos tempos, participou amplamente (representando os mandatários nordestinos) dos debates sobre a reforma tributária com o Executivo Federal e o Legislativo, bem como questões como a repartição dos royalties do petróleo, em tramitação no Judiciário.

Segundo destacou, as prioridades de suas metas de trabalho estão voltadas para projetos de transição energética, crédito para fomento, melhoria da segurança pública, ampliação de financiamentos para saúde e educação na região e, sobretudo, investimentos em infraestrutura. De forma a acabar com gargalos que, ao seu ver, podem atrapalhar o desenvolvimento do Nordeste nos próximos anos.

Fonteles tem bom trânsito com o Governo Federal, parlamentares e representantes dos Tribunais superiores. Pretende atuar como uma espécie de interlocutor entre os três Poderes no sentido de conseguir destravar matérias com tramitação morosa nas Cortes e propostas em pauta no Legislativo.

Nesta entrevista, ele enfatiza que o Brasil voltou a ter a oportunidade de contar com um presidente que valoriza e orienta todo o seu escalão a ter um olhar especial para a região. E frisa que o Consórcio precisa, agora, trabalhar bastante para dar continuidade às boas iniciativas dos seus antecessores e às metas da sua gestão.

 

REVISTA NORDESTE: Com sua chegada ao Consórcio Nordeste, qual o trabalho que o senhor pretende desenvolver com os demais governadores e em que temas a interlocução do Consórcio pode ser ampliada com o Governo Federal?

Rafael Fonteles: Agradeço aos meus pares pela escolha do meu nome para presidir o Consórcio neste ano de 2025, ao tempo em que parabenizo a governadora Fátima Bezerra [do Rio Grande do Norte], o governador João Azevedo [da Paraíba], que me antecederam e também aos ministros Rui Costa [chefe da Casa Civil) e Wellington Dias [Desenvolvimento Social], bem como o atual presidente do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Paulo Câmara [ex-governador de Pernambuco], que também foram presidentes do Consórcio.

Obviamente vou me dedicar bastante, aumentar minha carga horária de trabalho para além de cuidar das obrigações do Piauí também cuidar dos interesses da Região Nordeste, em conjunto com os oito governadores e governadoras. Temos temas prioritários a tratar, pois o Consórcio possui dois eixos importantes.

O primeiro é a defesa dos interesses da região, seja no âmbito dos ministérios, do Congresso Nacional ou do Judiciário. E também temos o compartilhamento de melhores práticas de políticas públicas entre os estados, por isso a atuação das câmaras temáticas. Essa interação com os ministérios, com o Congresso e com o Poder Judiciário é muito importante para que a interlocução aconteça e possamos fazer uma defesa efetiva dos interessas da região em todas as pautas.

 

Prioridades

 

“Enumerei cerca de seis pautas e coloco as seis em igualdade de importância. A segurança pública, sobretudo”. Foto: Divulgação

NORDESTE: Que pautas o senhor poderia citar?

Rafael Fonteles: Temos a pauta da transição energética, a do mercado de crédito das instituições públicas de fomento, a melhoria da segurança pública, o financiamento da saúde, a educação. Estes são apenas alguns dos temas que foram considerados e decididos na reunião da primeira assembleia geral ordinária do Consórcio Nordeste esse ano.

 

NORDESTE: Como integrante do Consórcio o senhor chegou a comandar alguns debates relacionados à Reforma Tributária e outras pautas econômicas. Na presidência do grupo continuará atuando mais nesta área?

Rafael Fonteles: Tocarei o trabalho como um todo, mas naturalmente, pela minha experiência como secretário de Fazenda do Piauí e presidente do Comitê Nacional de Secretários Estaduais da Fazenda (Consefaz) atuei muito nesses temas fiscais federativos nos últimos anos.

O Consórcio me colocou para fazer parte das reuniões com os ministros da área, então é claro que continuarei dando a minha contribuição pessoal a esses temas econômicos, fiscais e federativos, dada a experiência anterior, mas estaremos atentos a tudo.

 

NORDESTE: O senhor vai ficar à frente do Consórcio até dezembro. Ao mesmo tempo, enumerou várias pautas. Qual delas, de fato, será prioridade na sua gestão?

Rafael Fonteles: Enumerei cerca de seis pautas e coloco as seis em igualdade de importância. A segurança pública, sobretudo; o tema da educação em tempo integral e a educação profissional e técnica, que tem muito a ver com os estados; a questão do financiamento da saúde é um tema que eu já estudo há muito tempo e vejo como é uma área que carece de financiamento.

Dentro desses temas, há a área econômica, na qual eu citei a questão da infraestrutura, do crédito e da transição energética — um dos itens que considero dos mais importantes da atualidade.

 

Transição energética

 

NORDESTE: O senhor vê potencial real para o desenvolvimento da Região a partir dessa transição?

Rafael Fonteles: É grande oportunidade do Nordeste para se industrializar fortemente. A região tem vantagem competitiva em energia limpa e produção de energia limpa. Para você ter uma ideia, o meu estado – o Piauí — produz mais de sete vezes a energia que consome numa matriz elétrica 100% limpa.

Ora, isso é atrativo para a indústria de data centers, para a indústria de hidrogênio, a indústria de siderurgia verde e várias outras que dependem intensivamente de energia. E, neste momento de transição energética, querem energia verde, energia limpa. E o Nordeste é o maior provedor, talvez global, de energia verde para a indústria verde que está surgindo fortemente.

 

Diálogos com o presidente Lula

 

Rafael Fonteles acredita no potencial do Governo Federal para alavancar as prioridades da Região Nordeste frente às três esferas do Poder. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

NORDESTE: Quais foram as primeiras demandas que o senhor levou ao presidente Lula?

Rafael Fonteles: Tivemos uma primeira reunião, o presidente fez a cortesia de nos receber logo no dia posse ao lado dos demais governadores nordestinos, então é claro que ainda tratamos de maneira muito superficial sobre esses temas.

Vamos elencar as prioridades que citei aqui, para que haja obviamente a determinação dele – e a gente sabe que há – para o seu ministério atuar junto conosco nas pautas que estão postas e tramitando.

Sejam no âmbito dos ministérios, sejam no Congresso Nacional ou até mesmo em relação a questões que estão judicializadas, como os royalties do petróleo, que há 13 anos foram decididos pelo Congresso Nacional e até hoje não foram implementados por conta de uma ação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).

 

NORDESTE: O presidente Lula teve há pouco uma queda de popularidade, sobretudo no Nordeste. Durante a posse do senhor muitos governadores usaram bonés de apoio a ele. Existirá, na sua gestão, um trabalho para melhorar a visão do Governo Federal na região?*

Rafael Fonteles: Olha, eu vejo essas pesquisas. Acompanho principalmente as do Piauí com muita precisão e considero oscilações muito pequenas que acontecem. Acho que isso é normal, aconteceu por exemplo no primeiro mandato do presidente Lula e no segundo.

Mas esse patamar positivo do Governo Federal continua elevado na Região Nordeste. Por exemplo: no estado do Piauí o presidente Lula tem acima de 70% de aprovação. Este é um dado que desejamos tornar ainda maior, cada vez mais que as ações do Governo Federal no Nordeste se consolidem.

Assim como queremos que haja comunicação cada vez melhor dessas entregas. Estou muito confiante porque muita coisa foi plantada e muito será colhido este ano e no próximo. Damos, obviamente no meu caso particular que sou do PT, total apoio ao Governo Federal.

 

Pacto pelo Nordeste

 

NORDESTE: Sabemos que o senhor vai trabalhar para todos os estados do Nordeste. Mas especialmente para o Piauí, de que forma a sua presidência no Consórcio vai reverter resultados para o estado?

Rafael Fonteles: Pelo Piaui, a gente já trabalha e já tem as portas abertas nos ministérios. Nosso papel agora, a novidade, é falarmos em nome da região. Sempre em conjunto, sempre discutindo as propostas e iniciativas com os demais governadores.

Seja nas reuniões, seja nos grupos de whatsapp que temos, seja ouvindo as câmaras temáticas. Então o que vai acontecer agora é que vamos poder, a partir da escuta dos nossos governadores, fazer a interlocução direta em nome da Região Nordeste, qualquer que seja o tema.

 

Royalties do petróleo

 

NORDESTE: O senhor mencionou os royalties do petróleo. São 13 anos de discussão no STF sobre o tema. O Consórcio já vem atuando há algum tempo para a retomada dessa discussão sem êxito. O que o senhor avalia que é melhor ser feito: insistir na tramitação da ação que está no STF ou retomar o tema com o envio de nova proposta ao Congresso Nacional?

Rafael Fonteles: Acho que devemos insistir no STF, isso já está na Câmara de Conciliação do Tribunal, então foi dado um passo e temos que acelerar esta conciliação. O que desejamos é que o Supremo vote a matéria.

E, portanto, se consiga, dentro dessa conciliação, chegar a um meio termo. Obviamente que há espaço, sim, para essa conversa. Mas passaram-se 13 anos e nem um meio termo foi implementado. Por isso que a gente pede urgência para o julgamento da matéria.

 

Efeitos da nova política dos Estados Unidos

 

NORDESTE: Há uma preocupação global sobre a energia verde por conta do recuo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, nessa questão. Como o senhor acredita que isso pode prejudicar o Piauí e o Nordeste?

Rafael Fonteles: Eu não acredito que essa pauta venha a ser reduzida no mundo, mesmo com a decisão do presidente norte-americano. Eu fiz 12 missões internacionais e uma das preocupações que tive durante essas viagens foi exatamente apostar na agenda de transição verde, procurar ver o papel das empresas, avaliar como as empresas estão se comportando em relação às metas de descarbonização. E vi que as grandes companhias do mundo inteiro estão com propostas firmes de descarbonização. É isso que vai gerar a demanda por energia verde.

 

NORDESTE: Não pode haver uma desaceleração dessa agenda?

Rafael Fonteles: Ao meu ver, por mais que um ou outro país atrapalhe essa agenda, ela é inexorável e as mudanças climáticas estão a todo tempo demonstrando para o povo a urgência da descarbonização.

Você sabe que nós teremos uma transição longa dos combustíveis fósseis – eles têm a importância que têm – se fala em transição e essa transição é gradual. Mas ela tem que acontecer o mais fortemente possível e está acontecendo. Basta ver, por exemplo, o crescimento da energia renovável no Nordeste.

Olhe a matriz energética brasileira de 10 anos para cá, o tanto que evoluiu em termos de energia éolica e solar. E olhe que nós somos um país com muita energia hidrelétrica, que também é energia limpa. Então isso está acontecendo no mundo todo e, por isso, é uma agenda prioritária para o Nordeste.

 

Primeiros atos

 

NORDESTE: Durante sua posse foram assinados vários memorandos. Qual o efeito prático que eles têm?

Rafael Fonteles: Da parte dos memorandos de entendimentos, protocolos de intenções, são aberturas de diálogo. O que a gente quer é tornar isso ativo. Por exemplo, na última reunião do Consórcio na presidência da governadora Fátima Bezerra foi celebrado um contrato de R$ 100 milhões para o fundo da caatinga, por exemplo. Essa é uma medida efetiva, são recursos garantidos.

Claro que é ainda um passo na proposta que temos de proteger esse bioma e, realmente, gerar emprego e renda a partir da proteção do bioma. Por isso que tanto se fala em transformação ecológica.

Assinamos também memorando de entendimentos com o ministro Fernando Haddad [da Fazenda] e um outro referente ao Programa de Alimentação Saudável, que já é uma realidade. Vamos aprimorar ainda o Programa de Compras Governamentais para beneficiar a agricultura familiar e, ao mesmo tempo, complementar a segurança alimentar e nutricional de quem precisa. Por isso, mesmo que não consistam em resultados imediatos, esses memorandos conduzem a grandes avanços.

 

Geração de energia

 

NORDESTE: Um item específico do Consórcio está relacionado às hidrelétricas, aos investimentos que precisam ser feitos. O senhor poderia falar um pouco sobre isso?

Rafael Fonteles: O que queremos é uma solução para os gargalos que existem, tanto para a geração de energia quanto para a liberação de empreendimento de uso intensivo de carga no Nordeste, que é o que vai industrializar a região.

Isso requer, obviamente, infraestrutura, rede de transmissão, subestação. Então precisamos de esforço coordenado ainda mais forte. Já temos um esforço neste sentido, é verdade. Mas precisamos de mais, na velocidade da decisão de investimento destas companhias tanto para consumir energia quanto para gerar energia. É uma questão muito forte e estratégica para nós e não podemos perder oportunidades, não podemos demorar.

 

NORDESTE: Os vetos feitos pelo presidente ao projeto das matrizes eólicas offshore pode ampliar a questão do corte da geração de energia para o Nordeste? Isso está preocupando a região?

Rafael Fonteles: Eu tenho uma opinião pessoal de que aqueles vetos têm de ser mantidos. Vamos trabalhar nesta direção, mas estou falando aqui como governador do Piauí. Como presidente do Consórcio, obviamente tenho de tratar sobre o assunto primeiro com os meus colegas para poder falar em nome dos governadores do Nordeste.

É um tema muito importante, sobre o qual precisamos ficar atentos, mas o tema mais importante é resolver qualquer gargalo de infraestrutura para não perdermos decisões de investimento, de gerações de energia e de construção de energia para a indústria verde.

 

NORDESTE: Sua posse foi prestigiada por sete ministros do Executivo Federal, fora os governadores que integram o Consórcio, secretários estaduais, parlamentares e diversas autoridades. O senhor esperava isso?

Rafael Fonteles: O que posso afirmar é que isso demonstra como o Nordeste é prestigiado pelo Governo Federal e o quanto o presidente Lula orienta os seus ministros a terem um olhar especial para a região, principalmente de modo a reduzir as desigualdades regionais.

 

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Redacao RNE

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