Por Hely Ferreira*
A primeira Constituição do Brasil de 1824, ainda no período do Império, explicitamente em seu art. 5°, recepcionava o Catolicismo Romano como a religião oficial. Era tão inerente a relação entre Igreja e Estado que até os cemitérios eram administrados pela igreja. Com a chegada da República, a nova Carta Magna de 1891, espancou a oficialidade religiosa do Estado.
Agora, o país não possuía religião oficial e os cemitérios passaram para administração municipal, pois assim regia o art. 72, parágrafo 7°. O tema ainda hoje serve para muitos embates. De um lado os que desejam que o Estado seja uma extensão do seu credo religioso, do outro, os que defendem o Estado laico. Porém, guardada as devidas proporções, não é difícil encontrarmos quem confunda laicidade com ateísmo.
Durante o governo da Senhora Dilma Rousseff, um procurador federal, requereu a retirada das cédulas do Real à expressão “Deus Seja Louvado”, para tanto, usou como argumento a laicidade do Estado. Ora, se for para levar ao pé da letra, deveria começar acabando com todos os feriados religiosos que existem no Brasil. O Monte Pascoal teria que receber um novo nome, já que assim foi denominado por haver sido descoberto na semana da Páscoa.
Seguindo pela trilha do debate do Estado laico, talvez, para surpresa de muitos, um dos países mais antigos da América Latina que adotou a laicidade foi o Uruguai. À época vivendo em plena democracia e não uma ditadura, nosso país vizinho no ano de 1919, passou a não reconhecer como feriado o Natal, Festa de Reis e outras efemérides consideradas religiosas. As medidas foram adotadas entre o final do século XIX e início do século XX, visando separar o Estado do Catolicismo Romano. Para tanto, basta lembrar que 1861, 30 anos depois da aprovação da primeira Carta
Política uruguaia, já se percebia o processo de secularização e consequentemente, o enfraquecimento gradual da pujança do Catolicismo Romano.
Apesar de sofrer ataques oriundos de vários matizes e mesmo demonstrando fragilidade, a democracia tem resistido aos seus algozes que, muitas vezes travestidos de uma falsa religiosidade, se apresentam como os verdadeiros guardiões dos valores da sociedade.
*Hely Ferreira é cientista político e escreve mensalmente para a edição impressa, digital e on line da revista NORDESTE. Esta coluna faz parte da edição 216, Janeiro de 2025, em circulação.