No Brasil, 1,17 milhão de meninas e meninos tiveram os estudos interrompidos por eventos climáticos em 2024
NOVA IORQUE – Pelo menos 242 milhões de estudantes em 85 países tiveram a sua vida escolar impactada por eventos climáticos extremos em 2024, incluindo ondas de calor, ciclones tropicais, tempestades, inundações e secas, exacerbando uma crise de aprendizagem existente, de acordo com um novo relatório do UNICEF, divulgado nesta sexta-feira. No Brasil, 1,1 milhão de meninas e meninos tiveram os estudos interrompidos em 2024 por eventos climáticos, em especial enchentes.
Pela primeira vez, o estudo Learning Interrupted: Global Snapshot of Climate-Related School Disruptions in 2024 – lançado no Dia Internacional da Educação – examina os eventos climáticos que resultaram no fechamento de escolas ou na interrupção significativa dos horários escolares, e o subsequente impacto nas crianças da Educação Infantil ao Ensino Médio.
Para o dado Brasil, foram considerados dois contextos. As enchentes no Rio Grande do Sul, que afetaram mais de 2 mil escolas da rede estadual de Educação – com isso 741 mil estudantes não tiveram acesso às aulas no período das enchentes. E a seca na região amazônica, que fez com cerca de 1.700 escolas, incluindo mais de 100 localizadas em áreas indígenas, ficassem sem atividades por tempo prolongado – impactando 436 mil estudantes.
Pelo mundo
As ondas de calor foram o risco climático predominante para o fechamento de escolas no ano passado, com mais de 118 milhões de estudantes afetados só em abril, de acordo com os dados. Bangladesh e as Filipinas registaram fechamentos generalizados de escolas em abril, enquanto o Camboja reduziu o horário escolar em duas horas. Em maio, as temperaturas subiram para 47 graus centígrados em partes do Sul da Ásia, colocando as crianças em risco de insolação.
“As crianças são mais vulneráveis aos impactos das crises relacionadas com o clima, incluindo ondas de calor, tempestades, secas e inundações mais fortes e mais frequentes”, afirmou a Diretora Executiva do UNICEF, Catherine Russell.
“Os corpos das crianças são particularmente vulneráveis. Eles aquecem mais rápido, suam com menos eficiência e esfriam mais lentamente que os adultos. As crianças não conseguem concentrar-se em salas de aula que não oferecem proteção contra o calor sufocante e não conseguem chegar à escola se o caminho estiver inundado ou se as escolas forem destruídas. No ano passado, o mau tempo manteve um em cada sete estudantes fora das aulas, ameaçando a sua saúde e segurança e impactando a sua educação a longo prazo”.
Alguns países experimentaram vários riscos climáticos. Por exemplo, no Afeganistão, além das ondas de calor, o país sofreu graves inundações repentinas que danificaram ou destruíram mais de 110 escolas em maio, impactando a educação de milhares de estudantes.
Entretanto, os impactos mais frequentes ocorreram em setembro – o início do ano letivo no hemisfério norte. Pelo menos 16 países suspenderam as aulas no período devido a fenômenos meteorológicos extremos, incluindo o tufão Yagi, que afetou 16 milhões de crianças na Ásia Oriental e no Pacífico.
Ásia foi o continente mais afetado
De acordo com a análise, o Sul da Ásia foi a região mais afetada, com 128 milhões de estudantes com interrupções nas atividades escolares por conta do clima no ano passado, enquanto na Ásia Oriental e no Pacífico, a vida escolar de 50 milhões de estudantes foi afetada. O El Niño continuou a ter um impacto devastador em África, com chuvas intensas e inundações frequentes na África Oriental, e secas graves em partes da África Austral.
O aumento das temperaturas, as tempestades, as inundações e outros perigos climáticos podem danificar as infraestruturas e os materiais escolares, dificultar os percursos para a escola, levar a condições de aprendizagem inseguras e afetar a concentração, a memória e a saúde física e mental dos alunos.
Meninas enfrentam mais riscos
Em contextos frágeis, o fechamento prolongado das escolas torna menos provável o retorno dos alunos à sala de aula e coloca-os em maior risco de casamento infantil e trabalho infantil. Os dados mostram que as meninas são muitas vezes afetadas de forma desproporcional, enfrentando riscos maiores de abandono escolar e de violência baseada no género durante e após catástrofes.
Globalmente, os sistemas educativos já estavam falhando com milhões de crianças. A falta de professores qualificados, as salas de aula sobrelotadas e as diferenças na qualidade e no acesso à educação têm criado, há muito tempo, uma crise de aprendizagem que os riscos climáticos estão exacerbando.
A análise mostra que quase 74% dos estudantes afetados no ano passado estavam em países de rendimento baixo e médio-baixo, mas nenhuma região foi poupada. Chuvas torrenciais e inundações atingiram a Itália em setembro, impactando a vida escolar de mais de 900 mil estudantes, bem como a Espanha em outubro, interrompendo as aulas de 13 mil crianças.
Sistemas educativos pouco equipados
O relatório observa que as escolas e os sistemas educativos estão, em grande parte, pouco equipados para proteger os estudantes destes impactos, uma vez que os investimentos financeiros centrados nos impactos climáticos na educação continuam sendo surpreendentemente baixos e os dados globais sobre interrupções de aulas devido a riscos climáticos são limitados.
O UNICEF trabalha com governos e parceiros para apoiar a construção de salas de aula resistentes ao clima para proteger as crianças das intempéries. Em Moçambique, por exemplo, as crianças são repetidamente afetadas por ciclones, tendo o país sido atingido pelo ciclone Chido e pelo ciclone Dikeledi só nos últimos dois meses, afetando 150 mil estudantes. Em resposta, o UNICEF apoiou a construção de mais de 1.150 salas de aula resistentes às alterações climáticas em quase 230 escolas do país.
Em Novembro, o UNICEF alertou, em seu relatório sobre a situação das crianças no mundo, que as crises climáticas deverão tornar-se mais generalizadas entre 2050 e 2059, com oito vezes mais crianças expostas a ondas de calor extremas e três vezes mais expostas a cheias fluviais extremas, em comparação com até a década de 2000.
Caminhos para líderes
O UNICEF apela aos líderes mundiais e ao setor privado para que atuem urgentemente para proteger as crianças dos crescentes impactos climáticos através de:
- Garantir que os planos climáticos nacionais – incluindo as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) e os Planos Nacionais de Adaptação – reforcem os serviços públicos essenciais para as crianças, como a educação, para serem mais inteligentes em termos climáticos e resilientes às catástrofes, e contenham compromissos adequados de redução de emissões para evitar os piores impactos das alterações climáticas.
- Investir em instalações de aprendizagem resilientes a catástrofes e inteligentes em termos climáticos para uma aprendizagem mais segura.
- Acelerar o financiamento para melhorar a resiliência climática na área de educação, incluindo o investimento em soluções comprovadas e promissoras.
- Integrar explicitamente a educação sobre as alterações climáticas e os compromissos de resposta às crianças em todos os níveis.
“A educação é um dos serviços mais frequentemente interrompidos devido aos riscos climáticos. No entanto, é frequentemente ignorado nas discussões políticas, apesar do seu papel na preparação das crianças para a adaptação climática”, disse Russell. “O futuro das crianças deve estar na vanguarda de todos os planos e ações relacionados com o clima.”
*Com informações da Assessoria do UNICEF Brasil
Foto: Escolas públicas ficaram fechadas com as enchentes no Rio Grande do Sul / Rafa Neddermeyer/Agência Brasil