Pernambuco institui Comissão do Bicentenário da Confederação do Equador

Repercute  a criação da Comissão do Bicentenário da Confederação do Equador, cujo objetivo será o de difundir amplamente, e por diversos meios, os atos históricos ocorridos em Pernambuco e seus protagonistas, visando preservar os valores defendidos pelo movimento, proclamado em 2 de julho de 1824.

 

O decreto foi assinado em um evento realizado na Academia Pernambucana de Letras (APL), no Recife, que também celebrou os 160 anos da fundação do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP).

 

A comissão será composta por representantes das secretarias estaduais de Justiça e Direitos Humanos, da Casa Civil, de Educação e Esportes, de Cultura, além da Assessoria Especial do Governo. Também farão parte a Procuradoria-Geral do Estado; a Companhia Editora de Pernambuco (Cepe); o Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP); a Academia Pernambucana de Letras (APL); a Arquidiocese de Olinda e Recife; e o Grande Oriente do Brasil.

 

 

Os integrantes ficarão responsáveis por programar e organizar atividades oficiais de comemoração do Bicentenário da Confederação do Equador, que ocorrem desde 2024 e 2025, marcando os 200 anos da execução do Frei Caneca, por arcabuzamento, no largo do Forte das Cinco Pontas.

 

REPUBLICANISMO

 

A Confederação do Equador foi um movimento que eclodiu em Pernambuco no dia 2 de julho de 1824, contra o autoritarismo imposto pelo imperador Dom Pedro I – que culminou com a outorga da Constituição – e se espalhou pelas províncias do Nordeste. Seus principais líderes foram Manuel de Carvalho e o Frei Joaquim do Amor Divino, conhecido como Frei Caneca, que terminou preso e condenado à morte, tornando-se o principal mártir daquela que foi a primeira revolução republicana no Brasil.

 

DISCURSO

 

Membro do Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural de Pernambuco (CEPPC-PE), 2º secretário do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP) e membro efetivo da Academia Pernambucana de Letras (APL), George Félix Cabral de Souza fez um discurso na APL sobre as comemorações do Bicentenário da Confederação do Equador em Pernambuco e também sobre os 160 anos de fundação do IAHGP, que pode ser lido na íntegra abaixo:

 

Cabral foi o responsável por rememorar todo o contexto político e histórico da Confederação do Equador

 

 

“Em 28 de janeiro de 1862 um pequeno grupo de apaixonados pela história de Pernambuco pôs em prática um projeto que há alguns anos rondava as cabeças mais ativas da capital da província. Numa pequena sala do Convento do Carmo, onde estava instalado o embrião da biblioteca pública provincial, uma assembleia com 27 participantes fundou a provisoriamente chamada Sociedade Arqueológica Pernambucana, associação que nos meses seguintes receberia o nome de Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano. Os cinco principais animadores da iniciativa foram Joaquim Pires Machado Portela, José Soares de Azevedo, Antônio Vitrúvio Pinto Bandeira de Acioli Vasconcelos, Antônio Rangel Torres Bandeira, Salvador Henrique de Albuquerque. O primeiro presidente estatutário foi o Monsenhor Francisco Muniz Tavares, participante e historiador da Revolução de 1817.

 

Naquele ano no Recife ainda persistia a memória da grande mortandade da epidemia de cólera morbo, ocorrida em 1856. Fazia oficialmente 11 anos da publicação da Lei Eusébio de Queiroz que proibiu o tráfico de escravizados para o Brasil, mas a escravidão ainda era uma realidade praticamente onipresente. Com cerca de 110 mil habitantes, o Recife era a terceira maior cidade do Brasil, ficando atrás da capital do Império, o Rio de Janeiro, com cerca de 270 mil habitantes e de Salvador, com aproximadamente 125 mil moradores. Dom Pedro II, no auge dos seus 37 anos, vivia o ponto alto de seu longo reinado. A unidade territorial do Brasil estava consolidada, liberais e conservadores se alternavam conciliadoramente no parlamento e o café, o açúcar e o algodão rendiam bons superávits na balança comercial.

 

A pax bragantina entretanto, não era suficiente para amainar nos pernambucanos o desejo de afirmar sua herança histórica. No discurso da historiografia oficial, não havia espaço para os feitos pernambucanos, especialmente para os notáveis eventos das revoluções libertárias das primeiras décadas do século. Elas eram sistematicamente desqualificadas pelas narrativas produzidas pelos áulicos da corte no Rio de Janeiro, lançando as bases do que Evaldo Cabral de Mello chamou de uma “história saquarema” ou seja, “a historiografia da Corte fluminense e dos seus epígonos na República”.

 

O Instituto Arqueológico surgiu com o desejo de contrapor esse discurso. Mas como exaltar a história de uma província com tantos rasgos republicanos sem melindrar o regime monárquico então em vigor? A solução foi colocar a exaltação da memória da Restauração Pernambucana como mote principal da instituição. Daí a data escolhida para sua fundação: 28 de janeiro.

 

Nesse dia, em 1654, após a conclusão das intensas negociações para a rendição dos holandeses, as tropas luso-pernambucanas fizeram sua entrada triunfal no Recife. Não obstante a escolha pela guerra holandesa como inspiração para a fundação, era latente o desejo de conservar e honrar a memória dos movimentos republicanos, principalmente o de 1817. Não por acaso o Monsenhor Francisco Muniz Tavares foi escolhido para a presidência. Ele era, naquela altura, um dos últimos sobreviventes das célebres jornadas de 1817, quando Pernambuco se tornara uma república independente. Já então Muniz Tavares havia publicado sua História da Revolução de Pernambuco em 1817, cuja primeira edição saiu no Recife em 1840. Ele presidiu o Instituto Arqueológico até sua morte em 1875.

 

Após a proclamação da república em 1889, a memória revolucionária republicana de Pernambuco pôde então ser abertamente louvada pelo Instituto Arqueológico. O tema passou a ser recorrente nas páginas de sua revista. Alguns de seus mais renomados sócios, como o Major José Domingues Codeceira publicaram textos basilares sobre a primazia de Pernambuco nos ideais republicanos no Brasil. O novo regime, entretanto, optou por escolher como herói brasileiro não os pernambucanos de 1817, mas o mineiro Tiradentes, o mais humilde dos inconfidentes de 1789, o que reforçou entre os nossos antecessores o desejo de realizar justiça para os mártires pernambucanos.

 

O Instituto Arqueológico se tornou, portanto, o grande guardião das relíquias de 1817 e 1824, e também do movimento de 1821, que, iniciado em Goiana, logrou expulsar de Pernambuco os últimos poderes portugueses em nossa terra, dotando a província de autonomia frente a Lisboa e ao Rio de Janeiro. Neste ano do bicentenário da Independência do Brasil, mais do que nunca, é oportuno e necessário rememorar o papel de Pernambuco no processo de emancipação política brasileira.

 

Aqui, mais do que em qualquer outro lugar do Brasil, as ideias do iluminismo movimentaram o cenário político e social, levando a posicionamentos radicais na defesa das liberdades individuais. As referidas ideias foram difundidas principalmente pelos círculos de sociabilidade da maçonaria, sendo Pernambuco pioneiro na instalação de lojas maçônicas no Brasil.

 

Os movimentos de 1817, 1821 e 1824 se inserem no longo arco temporal compreendido entre a chegada da corte portuguesa (em 1808) e a abdicação de Dom Pedro I (em 1831). 1817 representou um projeto de independência em moldes republicanos, fortemente influenciado pela luta dos norte-americanos na fundação dos Estados Unidos. Insisto em ressaltar que se tratou de um projeto de independência e não em um movimento separatista ou em mero prenúncio de 1822. 1817 era uma outra independência, mais vanguardista que a de 1822, apesar de não ter extinguido a escravidão. O projeto pernambucano foi derrotado e a repressão foi brutal.

 

1821 logrou alcançar a instalação de um governo provincial eleito localmente e regido por normas constitucionais. Nos desdobramentos do levante liberal de Goiana, estabeleceu-se uma junta de governo presidida por Gervásio Pires Ferreira, que havia sido um destacado participante de 1817. Gervásio conseguiu manter a província autônoma frente a Lisboa e ao Rio de Janeiro, mas as fortes pressões políticas emanadas da corte, as memórias traumáticas de 1817 e as tensões raciais latentes em Pernambuco acabaram levando as elites locais a optar pela adesão ao projeto de independência de Pedro I e José Bonifácio. Gervásio foi derrubado do poder em 17 de setembro de 1822, quando o “grito do Ipiranga” já havia ocorrido mas ainda não era conhecido no Recife.

 

1824 foi a derradeira manifestação de resistência pernambucana dentro do processo de independência. Convém recordar alguns dados para que compreendamos o que levou Manuel de Carvalho Paes de Andrade a fundar uma república no Recife (a Confederação do Equador), há exatos 198 anos, em 2 de julho de 1824, e a conclamar todos os brasileiros a se unirem a ela.

 

Em novembro de 1823 Dom Pedro I rompeu seu juramento constitucional fechando a primeira Assembleia Constituinte do Brasil. Por ordem sua, um pequeno grupo de aliados redigiu uma Constituição que foi outorgada em 25 de março de 1824. A carta imposta dava excessivos poderes ao imperador. Ele se tornava o titular do poder moderador, um quarto poder que se sobrepunha e controlava os poderes legislativo, judiciário e executivo, este último também exercido pelo monarca. O texto foi enviado para as câmaras municipais para que fosse jurado pelos súditos de todo império.

 

Em Pernambuco, a voz poderosa do Frei Joaquim do Amor Divino Caneca levantou-se contra o arbítrio do imperador. As relações entre Pernambuco e o monarca se encontravam tensionadas por conta da relutância das elites locais em aceitar os nomeados por Pedro I para a presidência da província. A questão constitucional foi a gota d´água, fazendo eclodir novamente o conflito aberto.

 

Assim como ocorreu em 1817, em 1824 Pernambuco foi violentado pelos poderes centrais. Prisões, execuções e amputação de territórios foram os meios para subjugar a inquieta província, que acabou reduzida a menos da metade da sua área original. A execução de Frei Caneca em 13 de janeiro de 1825 é o símbolo mais forte desta repressão.

 

Rememorar os fatos decisivos ocorridos durante o processo de independência nos leva a refletir sobre importantes questões do desenvolvimento histórico do nosso país e sobre a nossa atualidade. Transcorridos duzentos anos, o valor da ordem constitucional parece ainda não ter se consolidado plenamente e a herança das práticas coloniais ainda não foi de todo superada.

 

O Instituto Arqueológico segue empenhado em sua missão de tornar essa história mais conhecida pelos pernambucanos e pelos brasileiros. Com a colaboração das instituições congêneres e com o apoio do governo do estado, temos realizado, desde 2017, um grande programa de comemorações e de divulgação do bicentenário das revoluções libertárias pernambucanas. Em 2022, no bicentenário da independência, temos buscado construir uma leitura do processo a partir de um ponto de vista pernambucano. Destacamos aqui a realização do seminário internacional “Tantos Brasis, tantas independências”, ocorrido em março passado com apoio integral da Facepe.

 

Em breve se iniciará o lançamento, pela Cepe, da coleção Pernambuco na Independência 1822-2022. No rol de livros estão incluídas obras inéditas e republicações de textos essenciais sobre o processo da independência em Pernambuco.

 

Com a criação da comissão para as celebrações do bicentenário da confederação do Equador, reforçaremos as ações dentro deste próximo ciclo de comemorações históricas.

 

Ao mesmo tempo em que celebramos a história, procuramos também cumprir a outra parte importante de nossa missão que é a da preservação dos bens culturais que integram o acervo do IAHGP. Nesse momento, duas importantes ações estão em curso. O projeto de conservação e restauração de parte do nosso acervo iconográfico, num projeto executado pela restauradora Débora Mendes e sua equipe da Arte sobre Arte restauro, com financiamento do Funcultura – Fundarpe.

 

Em paralelo, todo o acervo bibliográfico e documental do IAHGP está sendo inventariado e catalogado em um projeto apoiado pelo governo do estado, por intermédio da fundarpe. Esta ação é fundamental para identificarmos e dimensionarmos com precisão nosso acervo, que passará a se tornar mais acessível para todo o público interessado. JAMILLE BARBOSA / CÍNTIA SANTOS.

 

Hoje temos a grande satisfação de receber solenemente entre nós os novos associados desta casa. Eles se juntam ao honroso trabalho da casa da memória de Pernambuco e são extremamente bem-vindos, pois a messe é grande e os trabalhadores são poucos. Também hoje prestamos homenagens a três pessoas que, cada um a sua maneira, prestaram relevantes serviços ao IAHGP e à história de Pernambuco.

 

O governador Paulo Câmara que em todas as ocasiões se mostrou sensível aos temas de nossa história, possibilitando as condições para que o IAHGP conseguisse realizar um grande programa de celebrações e de divulgação dos bicentenários das revoluções libertárias de Pernambuco.

 

O designer e pesquisador Pedro de Albuquerque Xavier, que é autor do estudo que subsidiou o Projeto de Lei 1724/2020, do executivo estadual que fixou as normas técnicas para a produção da bandeira de Pernambuco, com o apoio do IAHGP.

 

E o nosso saudoso confrade Limério Moreira da Rocha, falecido em 13 de fevereiro de 2021. Aliás, o ano de 2021 ficou também marcado pelo falecimento de nosso querido confrade e amigo, o ex-presidente José Luiz Mota Menezes, em 6 de setembro. Os tempos são de muitas perdas, mas suas ausências são especialmente sentidas por todos os que fazem o IAHGP.

 

Sigamos juntos honrando a memória de nossos antepassados e preservando o legado de nossa história para as próximas gerações.

 

Muito obrigado!

 

George F. Cabral de Souza

 

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Walter Santos

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