Por Paulo Emílio (Brasil 247)
A Aliança Medicinal, primeira fazenda urbana de Cannabis sativa para uso terapêutico no Brasil, está ampliando suas instalações de maneira a atender um maior número de usuários que utilizam o óleo extraído da planta para fins medicinais.
A associação, que possui autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para produzir e vender o óleo medicinal e que recentemente teve aprovação da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) para fornecer o medicamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), planeja ampliar a produção dos atuais cerca de 9 mil unidades mensais para até 20 mil frascos mensais ainda este ano, o que irá ampliar a oferta dos compostos para todo o Brasil.
“Hoje atendemos cerca de 9 mil pacientes cadastrados, com receita e laudo médico, de todas as regiões do país. A meta é ampliar, praticamente dobrar este número e beneficiar o maior número de pacientes que pudermos alcançar”, diz a presidente da Aliança Medicinal, Hélida Lacerda. Hoje, poucas dezenas dos pacientes atendidos pela produção da unidade conseguem o remédio por meio do SUS.
672 mil pacientes no Brasil usam cannabis medicinal
Em 2024, segundo dados do anuário produzido pela Kaya Mind, cerca de 672 mil pacientes fizeram uso da cannabis medicinal no Brasil, número 56% maior que o registrado no exercício anterior e movimentou R$ 853 milhões. Deste total, 50% dependem da importação do produto que necessitam e que conseguem mediante prescrição médica. O restante recorre a farmácias (31%) e associações (22%), que comercializam os produtos a um preço muito inferior aos dos medicamentos tradicionais para uma parcela da população que não possui condições financeiras de cobrir os gastos do tratamento que necessitam.
Hélida, porém, destaca que a Aliança Medicinal comercializa os produtos à base de canabidiol a preço de custo, o que faz com que o custo por unidade do frasco com 30ml seja até quatro ou cinco vezes inferior aos remédios comerciais ou importados.
Os valores dependem da dosagem dos medicamentos que são utilizados para o tratamento de mais de 400 doenças, como epilepsia, Parkinson, Alzheimer, fibromialgia, hipertensão, dores crônicas, insônia, depressão e ansiedade, entre outras. O preço por unidade varia de R$ 150 até R$ 390, dependendo da concentração do extrato utilizado na composição do medicamento.
A diretora médica da Associação, Rafaela Espósito, também destaca que os medicamentos à base de cannabis podem ser utilizados de forma preventiva ou em associação com remédios farmacêuticos tradicionais. “Cada caso é um caso e precisa ser avaliado individualmente. Mas a cannabis medicinal vem sendo utilizada de forma preventiva em diversos casos, como hipertensão e resistência insulínica, por exemplo”.
“O óleo também pode ser utilizado como uma escolha, como no caso de um desmame de medicamento convencional ou utilizado em associação com medicamentos convencionais, como em pacientes oncológicos, entre outros casos. Cada situação precisa ser avaliada individualmente”, observa Rafaela. “Os medicamentos à base de canabidiol possuem um baixo índice de efeitos colaterais e o óleo não induz dependência”, completa.
Compostos produzidos
Atualmente, segundo o engenheiro agrônomo e diretor-executivo da Aliança Medicinal, Ricardo Hazin, são produzidos três tipos de compostos ricos em CBD (canabidiol) e THC (tetrahidrocanabinol) que resultam em 9 produtos com concentrações diferentes para serem utilizados nos mais diversos tratamentos.
“Estamos desenvolvendo mais um produto que deverá estar disponível nas próximas semanas. Atualmente temos concentrações do extrato de 1,5%, 3% e 6%, e agora vamos fazer com uma concentração de 10% de CBD”, destaca.
“Esperamos dobrar o volume de produção total, que hoje funciona em 10 contêineres com ambiente controlado, para 36 contêineres até o final do ano”, ressalta. Os recursos necessários, segundo ele, estão captados junto aos próprios pacientes. O valor total do investimento não foi divulgado.
Processos de cultivo e fabricação
Localizada em Olinda, no Grande Recife, a Aliança Medicinal é responsável por todas as etapas do processo, desde o cultivo até a extração do óleo, passando pela embalagem e comercialização. No início de tudo está um contêiner chamado de “berçário”. Ali, as mudas são cultivadas de forma individual com nutrientes adequados, em um ambiente onde a temperatura e a luminosidade são controladas. Em seguida, quando atingem uma certa maturidade, as plantas são transferidas para um contêiner de “desenvolvimento”.
Todas as plantas são fêmeas, uma vez que os exemplares machos não produzem os insumos necessários para o óleo, os chamados fitocanabinoides, e o tempo total do ciclo de cada uma é de cerca de três meses. Ao todo, existem mais de 100 tipos diferentes de fitocanabinoides catalogados. O CBD e o THC são as moléculas mais conhecidas como responsáveis pelas propriedades terapêuticas da cannabis sativa, vulgarmente conhecida como maconha.
Após a floração vem a extração do óleo, obtido a partir dos tricomas, também chamados de “cristais”. Os tricomas produzem a resina que é a base dos medicamentos à base de cannabis. As flores então são secas e embaladas a vácuo para serem imersas em uma solução extratora, composta à base de álcool a 99% e em uma temperatura de 30 graus negativos. Em seguida, o extrato bruto passa por processos de filtragem e destilação de forma a obter o extrato concentrado. Toda esta etapa acontece por meio de sistemas e processos automatizados. Os resíduos são descartados e incinerados por uma empresa especializada e autorizada.
Com o término da extração, o extrato é diluído nas proporções desejadas de CBD e THC, que também podem ser misturados de forma a obter um óleo misto, e que serão utilizados pelos pacientes conforme a prescrição médica detalhando a patologia, o tipo de óleo e a posologia necessária de cada um. Somente então, o medicamento é envasado e segue para ser distribuído pela empresa aérea Azul para todas as regiões do país.
Histórico
A associação foi criada há nove anos, quando Hélida Lacerda enfrentava o desafio de melhorar a qualidade de vida de seu filho Anthony, que sofre de epilepsia refratária e apraxia progressiva. Com apenas 12 anos na época, o jovem registrava até 80 convulsões por dia, apesar de tomar até 15 medicamentos diferentes. Na ocasião, os médicos chegaram a afirmar que ele teria apenas mais um ano de vida. Atualmente com 21 anos, Anthony chega a passar meses sem ter nenhuma crise do gênero.
As dificuldades de acesso ao medicamento e o alto custo de importação levaram Hélida a cultivar a cannabis em casa e aprender como extrair o óleo medicinal. Em 2018, porém, ela conseguiu um habeas corpus para produzir o extrato para o filho. Em 2020, ela conseguiu reunir um grupo de mães com filhos que tinham condições semelhantes e montou a associação. Em 2023, ela obteve uma autorização judicial do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) para ampliar a produção e oficializar o projeto da Aliança Medicinal.
Em dezembro do ano passado, foi publicada no Diário Oficial do Estado a Política Estadual de fornecimento gratuito de medicamentos pelo SUS de medicamentos e produtos derivados da cannabis para tratamento medicinal, definida pela Lei 18.757/2024, sancionada pela Alepe.
“Apesar disso, funcionamos à base de liminar. Esperamos que haja uma regulação definitiva sobre o tema, o que beneficiaria milhares de pessoas em todo o país, além de reduzir custos sobre o próprio sistema de saúde, seja com importações, seja com liminares para aquisição de medicamentos muitas vezes mais caros que os feitos à base de cannabis medicinal, ou mesmo com internações”, ressalta Hazin.
*Foto: Cultivo da Cannabis Medicinal, na Fazenda urbana da Aliança Medicinal, em Olinda (PE)/ Paulo Emílio, do 247