Augusto Pestana revela meta brasileira de ampliar presença no mercado chinês, intensificar fluxo de pessoas e reduzir déficit de informação entre os países
Por Guilherme Paladino, de Xuzhou (China), para o 247 *– Completando 50 anos de relações diplomáticas em 2024, Brasil e China vivem um momento de auge em sua parceria, principalmente no âmbito econômico. As trocas comerciais entre ambos atingiram o impressionante valor de US$ 157 bilhões no ano passado, sendo mais de US$ 105 bi somente em exportações brasileiras ao gigante asiático – o triplo em relação às exportações aos EUA (US$ 36 bi), segundo maior parceiro comercial, por exemplo.
A boa convivência nos negócios acompanha o estreitamento dos laços políticos entre os dois países, que atualmente são colegas de BRICS, lideram o Sul Global e coordenam a construção das principais propostas independentes por uma solução pacífica do conflito entre Rússia e Ucrânia, além compartilharem objetivos comuns em prol da transição energética. No entanto, apesar do bom momento desenvolvido nos últimos anos, “talvez esta relação esteja entrando em uma fase ainda mais relevante a partir de agora”, avaliou Augusto Souto Pestana, o Cônsul-Geral do Brasil em Xangai, em uma entrevista exclusiva ao Brasil 247.
O diplomata, que ocupa o cargo há quase dois anos, participou, na sexta-feira (18), da Conferência de Cooperação e Intercâmbio de Jiangsu com os Países da América Latina e do Caribe, realizada na cidade de Xuzhou. Após seu discurso às autoridades chinesas e aos jornalistas presentes na cerimônia, conversou com nossa equipe para comentar a visita do presidente Xi Jinping ao Brasil em novembro e falar sobre os planos do Itamaraty para o futuro da parceria com o gigante asiático.
Confira a entrevista completa:
VISITA DO PRESIDENTE XI – “O que eu vejo como grande perspectiva de uma visita como essa é, primeiro, os dois lados reconhecerem da importância da relação para ambos os países. É bem verdade que nossa relação comercial com a China é muito importante e significativa e os resultados são muito concretos, mas o fato é que o Brasil também é muito importante para a China.
Somos hoje os maiores fornecedores de produtos agrícolas para a China, então temos um papel importante na segurança alimentar do país; estamos também com um crescente papel para a internacionalização das empresas chinesas e eu acho que isso abre uma série de oportunidades históricas e algumas já se transformam em realidade: num primeiro momento, um investimento muito grande de empresas da área de energia e, agora, uma diversificação com a entrada, por exemplo, das empresas automotivas chinesas no Brasil, como a BYD; o Brasil está na estratégia das grandes empresas daqui, não só desse setor, mas de outro setor.
O que a gente vê na relação atual do Brasil e China é que há muitos resultados – e isso vai ficar evidenciado na visita do presidente Xi Jinping – mas, talvez, apesar de todo esse gigantismo dos resultados, a gente esteja entrando numa fase ainda mais relevante, com mais investimentos de lado a lado.”
META DE DIVERSIFICAR EXPORTAÇÕES –“Um dos nossos grandes objetivos é que, no nosso comércio, a gente continue a exportar o que a gente vem exportando, como soja, minério de ferro e petróleo – esses 3 produtos representam mais de 80% da nossa pauta exportadora – mas, em termos relativos, a gente gostaria de ver outros produtos entrando nessa pauta, porque o potencial aqui na China é muito grande. E o que é interessante é que a China vem registrando uma diminuição na velocidade do seu crescimento: ela vinha crescendo a um ritmo de 10% ao ano e, depois da pandemia, passou a um ritmo de 5%, e para um país desse tamanho, com um mercado consumidor de 1,4 bilhão de habitantes e com um grande processo de inclusão social, esse crescimento tem um potencial astronômico para empresas brasileiras.
E aí é que entra este nosso grande objetivo de diversificar um pouco a pauta. Mesmo em alimentos e bebidas, podemos ter produtos com um pouco mais de valor agregado, como já é o caso com nossa proteína animal – esses produtos começam a chegar aqui na China com uma identificação de que eles são do Brasil, ou seja, o consumidor chinês começa a entender que temos produtos de qualidade. O setor de sucos de laranja também tem crescido bastante.
Então, o grande desafio para o Brasil até o final dessa década é que a gente continue a ver crescimento nas nossas exportações, mas que este crescimento seja carregado também por uma maior participação de outros produtos, que provavelmente virão de empresas de menor porte – porque temos que ter pequenas e médias empresas participando dessa parceria com a China – e uma maior diversificação regional. Porque tudo que a gente exporta vem do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, mas queremos ver cada vez mais produtos do Nordeste e da Amazônia chegando aqui.”
MAIOR FLUXO DE PESSOAS – “O aumento no fluxo de investimentos que ambicionamos traz, também, uma coisa extremamente positiva que é uma intensificação do fluxo de pessoas. Por exemplo, estamos em Xuzhou, que valoriza muito a relação com o Brasil, porque tem a XCMG que tem esse investimento grande em Pouso Alegre – eles estabeleceram uma relação, é uma cidade-irmã no Brasil – e tem também um acordo de germinação com Osasco, na Grande São Paulo. E o que eu acho mais promissor é garantir que gente destes lugares possa vir para cá ter uma experiência de China, para turismo, estudar e fazer comércio. Da mesma forma, que mais chineses possam ir ao Brasil, mais turistas.”
REDUZIR DÉFICIT DE INFORMAÇÃO – “Existe um déficit de informação muito grande. Nós no Brasil sabemos muito pouco a respeito do que é a China, porque há uma distância física muito grande – talvez sejamos mais próximos do que a gente imagina em termos de comportamento e valores, mas eu vejo um pouco dessa grande lacuna que existe no Brasil a respeito do que é a China moderna, do que ela oferece, de como ela opera e de como as pessoas são. Por outro lado, como um diplomata brasileiro que mora aqui há um ano e meio, posso dizer também que os chineses conhecem muito pouco da nossa realidade.
Há aquelas imagens bastante estereotipadas, em relação basicamente ao futebol, e não vai muito além disso. Então, é um grande esforço nosso do Itamaraty aqui na China fazer com que o Brasil seja mais conhecido, e que esse conhecimento acerca de nossas exportações e produtos seja acompanhado de cultura e intercâmbio estudantil, acadêmico”.
GILBERTO GIL NA CHINA – “Recentemente, algo que nos deu muita satisfação foi ter realizado um concerto histórico do Gilberto Gil em Xangai, que aconteceu em 7 de outubro e foi realmente mágico. A comunidade brasileira na cidade não é tão grande assim, então a maior parte do público era de chineses e o show empolgou a todos e teve uma enorme repercussão aqui na China. A questão, agora é dar seguimento e garantir que, ao longo dos próximos anos, a gente mantenha essa movimentação e ocupe as oportunidades, porque o interesse existe”.
EXPECTATIVAS PARA A FEIRA DE XANGAI (CHINA INTERNATIONAL IMPORT EXPO 2024, de 5 a 10 de novembro deste ano) –“São muito boas. Esse projeto do CIIE vem diretamente da alta liderança chinesa, do próprio presidente Xi Jinping, começou em 2018 e o Brasil foi o primeiro país homenageado e, desde então, a gente vem participando. A gente terá a presença de setores que já são bem-sucedidos no mercado chinês e de setores que vêm crescendo – por exemplo, o de celulose; há empresas brasileiras que fazem investimentos aqui na China inclusive na área de tecnologia e inovação –, a Apex Brasil também manterá um pavilhão institucional. Mas algo que para nós do Consulado é muito importante é que a gente tem viabilizado também um espaço para startups brasileiras, para que elas venham interagir com potenciais investidores e com outras startups chinesas. No ano passado, foi muito interessante ver a quantidade de startups que vem de outras partes do Brasil, como o Norte e o Nordeste, e, neste ano, manteremos este movimento.”
BRASIL VAI ADERIR À INICIATIVA DO CINTURÃO E ROTA? – “Aí está fora do meu contracheque […]. O que está acontecendo agora é que há uma grande missão brasileira na China porque o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, e o embaixador Celso Amorim, assessor especial do presidente Lula para assuntos internacionais, estão em Pequim vendo detalhes da visita do presidente Xi Jinping ao Brasil em novembro e tenho certeza que esse é um ponto que está sendo abordado, mas não estou envolvido.”
*Foto principal : Augusto Souto Pestana, Cônsul-Geral do Brasil em Xangai (Foto: Guilherme Paladino/Brasil 247)
* A Revista Nordeste mantém parceria com o 247