Na disputa em Fortaleza, quatro candidatos à prefeitura buscam mobilizar nomes ou valores religiosos mirando o voto conservador
Emanuel Freitas*
Passadas as eleições nacionais de 2022, em que se tentou operar uma lógica de identificação irrestrita entre religião (leia-se “evangélicos”) e bolsonarismo (ou conservadorismo, ou extrema-direita, ou mesmo “PL”), uma das questões mais relevantes nas eleições municipais deste ano é: afinal de contas, qual o peso do voto religioso nas disputas das cidades, em especial das capitais?
Há mesmo quem duvide, sobretudo entre cientistas políticos e políticos profissionais, da existência do que seria o “voto religioso” ou “voto evangélico”, uma vez que outras variáveis entrariam em cena na hora da escolha eleitoral: economia, renda, trabalho, educação, saneamento etc.
Foi pensando assim que o PT apostou todas as fichas na condução da última campanha presidencial, pretendendo diminuir a considerável vantagem do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no segmento religioso, vencendo a “agenda de costumes” com a “economia” – “é a economia, estúpido!”.
Deu certo? A julgar pelos números da eleição e pelo que tem sido a atuação não apenas de parlamentares membros da Frente Parlamentar Evangélica como também de líderes e influencersreligiosos (já devidamente convertidos em players políticos), que continuam a manter distância das poucas e tímidas investidas do PT e do Governo Federal tentando uma aproximação dos evangélicos, podemos dizer ao menos duas coisas:
1 – o segmento, a partir de seus grandes líderes, segue reticente em relação ao combo Lula-PT-Governo-Esquerda;
2 – isso produz força suficiente para a constituição, sim, de um voto evangélico (ou religioso).
Tanto assim que, embora levantamentos oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nos digam que o número de candidaturas religiosas tenha diminuído 20% em relação a 2020, quando se tinham 9,5 mil candidatos (agora, apenas 7,5 mil), o número diz o seguinte: a utilização de termos como padre, pastor, bispo, missionário, ministro, entre outros, é que diminuiu nestas eleições, não a presença, de fato, de sujeitos do campo religioso.
E isso se dá porque,, dado o estabelecimento destes como players definitivos do campo político, tal identificação já não é mais necessária.
Posso citar, como exemplo, o caso da vereadora Priscila Costa (PL), evangélica que disputa um terceiro mandato como vereadora de Fortaleza, que mobiliza fortemente a herança do capital religioso de seu avô e de seu pai; o vereador, que, já foi deputado federal, Ronaldo Martins (REP), bispo da Igreja Universal, que também não utiliza termoreligioso; a deputada estadual Dra. Silvana (PL), que é candidata à prefeita de Maracanaú (CE); Clarissa Tércio (PP), candidata em Jaboatão; Eliza Vírginia (PP), em busca da reeleição como vereadora de Maceió; Alef Collins, filho de deputados evangélicos de Pernambuco, que busca se eleger vereador do Recife.
Estes são exemplos, que podiam se juntar a muitos outros, de como o registro oficial precisa ser melhor observado, com a análise mais detida.
Olhando o fenômeno de modo vertical, podemos lembrar de fatos que objetivavam colocar a agenda religiosa no centro do debate eleitoral de 2024: o novo Plano Nacional de Educação e a famigerada, e exitosa, campanha “contra a ideologia de gênero”; o projeto de lei que radicalizava a punição ao aborto.
Mas, talvez a maior presença da agenda religiosa nas disputas, em especial nas capitais, se deva ao mais amplo número de candidaturas de partidos de direita ou de extrema-direita às prefeituras: se pensarmos que o PL tem, hoje, cerca de 6 mil candidatos a mais em relação a 2020, e é ele o partido, ao lado do Republicanos, cujoscandidatos mais utilizam alcunha religiosa, então temos a medida do que sairá das urnas e, antes disso, do que será mobilizado durante os programasa serem exibidos no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE).
Em Fortaleza, André Fernandes (PL) marcha em chapa pura com uma vice da Renovação Carismática Católica, Alcyvânia Pinheiro; por sua vez, seu principal concorrente na direita, outrora candidato “pró-vida”, Wagner Sousa (UNIÃO), escolheu uma evangélica como vice; SartoNogueira, prefeito em busca de reeleição pelo PDT, tem no palanque o partido da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD); e Evandro Leitão (PT) tem a seu favor a promessa do governador do estado, também do PT, de “distribuir bíblias” nas escolas estaduais.
Frente a tudo isso, há voto religioso ou evangélico? Se mudarmos a pergunta: há voto feminino, jovem, negro, nordestino? Ora, há agendas discursivas direcionadas a segmentos da vida social. Um deles, consideravelmente pujante e exitoso em termos de vitórias eleitorais, é o religioso.
Faça um exercício: veja o HGPE e contabilize quantos candidatos ao Legislativo se mostrarão como “contra a ideologia de gênero, o aborto e a cristofobia”, “a favor da vida e dos valores cristãos”, “em defesa da família tradicional”. Eis o caminho em busca do voto .
(*) Emanuel Freitasé doutor em Sociologia e coordenador do Doutorado em Políticas Públicas e professor de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará. Este artigo é parte das análises produzidas pelo Observatório das Eleições 2024, iniciativa do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação (INCT IDDC).